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s.o.s. família
Pai de adolescente tem que se reinventar
"Que saudades que eu tenho daquele
que era meu filho, que falta que eu
sinto da minha criança." Esse lamento eu ouvi
da mãe de um jovem de pouco mais de 14 anos,
mas expressa o sentimento de muitos pais que
passam pela difícil fase em que o filho chega à adolescência. De uma outra mãe ouvi a queixa
de que, para a filha, parece que ela não existia
mais. Sim, sim, adolescência é fase de grandes
transformações, isso todo mundo já sabe. Mas
transformação só do filho que vive esse período da vida? Não! Dos pais também, da família
inteira.
Claro que é muito mais fácil os pais perceberem as mudanças que ocorrem com o filho. As
físicas saltam à vista: o corpo muda nessa fase
com uma velocidade sem igual. Já as mudanças emocionais e mentais passam por um período de pura instabilidade, como essa que experimentamos agora no verão. Mas não é assim tão fácil os pais perceberem que eles também mudam, e muito, na tentativa de adaptar-se às mudanças do filho.
Criança dá trabalho: sobe, desce, reclama,
faz birra, chora à noite, quer o que não pode,
teima, briga, bate a cabeça na parede. Mas ela
retorna sempre ao aconchego e à proteção dos
pais e, de um modo ou de outro, está sempre
submetida à autoridade dos pais, seja ela baseada no medo ou no amor. É também sempre aos pais que os filhos pequenos recorrem
quando têm alguma dúvida, algum medo, alguma ansiedade. Essa é a segurança que os
pais sentem com os filhos pequenos. Mas tudo
isso se desmancha no ar mais ou menos 12
anos depois do nascimento.
A partir dessa idade, às vezes um pouco antes ou um pouco depois, os filhos já não
acham os pais as pessoas mais apropriadas
para conversar quando têm alguma dúvida,
principalmente se ela está ligada ao corpo, à
sexualidade. Ouço frequentemente os adolescentes dizerem que os pais são abertos ao diálogo, mas que, mesmo assim, não querem a
eles fazer as perguntas que a mim dirigem.
É a partir dessa idade também que os filhos
preferem outro tipo de aconchego quando sofrem com alguma insegurança ou temor. Como se não bastasse, é nessa idade que os filhos
passam a fazer amizades por conta própria na
escola, no clube ou no prédio onde moram. É
nessa idade que eles descobrem que não devem mais contar com os pais como anjos da
guarda, apesar de ainda quererem isso -e
muito. E é nessa idade que eles começam a
mudar o jeito de ser, a procurar saber quem
são e o que querem.
Claro que os pais não ficam indiferentes a
tudo isso. Como poderiam? Desde o nascimento do filho, eles passam a aprender cada
dia um pouco como ser pai ou como ser mãe
daquele filho. E, de repente, tudo o que eles
aprenderam deixa de ter sentido, tudo o que
eles ensinaram parece que desaparece no ar,
toda a compreensão que eles tinham do filho
fica sem referência. É preciso que os pais percebam que eles mesmos estão implicados nessa confusão que ocorre na vida do filho e que
ousem mudar também.
O mais difícil nessa história é os pais admitirem que estão perdendo o filho e, junto com
ele, a imagem de pais que eles construíram para si. Por isso talvez mais importante para pais
de adolescentes seja que eles se compreendam, em vez de tentarem compreender o filho. O filho vai ficar irreconhecível em muitos
momentos? Vai. Vai ter ataques de raiva e
ódio? Vai também. Vai testar a tolerância dos
pais ao extremo? Sem dúvida! Vai sentir-se
culpado por tudo o que acontece? Como vai!
Mas e os pais, como reagem a todas essas novidades? Tentando resgatar o filho que acabaram de perder? Vivendo de saudades?
Ser pais de filhos adolescentes exige grandes
mudanças também. E para tanto é preciso se
questionar, se atrever, se reinventar como pai
e como mãe. E, principalmente, saber respeitar o filho nas diferenças que ele, pouco a pouco, estabelece.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Sexo É Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br
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