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Outras idéias - Anna Veronica Maunter
Vítimas de nós mesmas
D
e tanto nós, mulheres, lutarmos pela liberdade, conseguimos instaurar uma
bela confusão. A bandeira do
movimento feminista tem sido
"liberdade para a autonomia"
ou vice-versa. Passaram-se os
anos, o mundo mudou, e as mulheres do Ocidente, de boa parte do Oriente e também do Cone Sul conquistaram estilos de
liberdade que conduziram a
formas variadas de autonomia.
Claro que ainda não estamos
no final desse caminho. Muitos
grupos e muitas culturas não
chegaram lá -bem gostaria que
estivessem pelo menos a caminho. Mas foram conquistados,
quase no mundo todo, o direito
ao trabalho e o direito de ir e
vir, por exemplo, muito embora
a desejável autonomia nem
sempre exista. E, como nada é
perfeito, nesse processo perderam-se preciosidades.
No começo do século 20, associava-se coqueteria à submissão: parecia que nós nos enfeitávamos e fazíamos jogos de
sedução apenas para obter proteção. Talvez por isso as mulheres tenham começado a evitar a
postura de simpáticas, suaves e
encantadoras, esquecendo que
um companheiro é mais do que
um protetor para moças frágeis
-mas também condição para
formar família e procriar.
É bom poder ser autônoma
sem perder uma certa especificidade tão nossa. Não falo de
bobagens como maquiagem, rímel, cílios postiços etc. Refiro-me ao feminino que não vê desdouro em querer ser desejada
pela graça de moça, o que não
leva à perda automática das
qualidades de autonomia.
De medo de sucumbir ao
conforto da proteção masculina, fizemos um estranho desvio: tiramos nosso olhar dos
homens e pusemo-nos a competir entre nós. Quem não ouviu falar que nos vestimos para
as outras? Pois é... Isso nem
sempre é exagero.
Hoje virou xingamento ser
coquete. Preferimos virar "Barbies", aquelas bonecas só para
serem vistas e não para aconchegarem ou darem colo. De
que serve ser a mais bonita se
desdenho o olhar desejoso dos
homens? E ainda temos o atrevimento de reclamar da falta de
homens?!
Eis o erro de percurso que fizemos, na ânsia de vetar as antigas desigualdades e submissões. Afoitas, apressadas, não
demos a devida atenção ao fato
de que equivaler não é ser igual:
iguais não seremos nunca, nem
vale a pena tentar. Ser mulher
tem muita graça. E não é ideologia, é dom da natureza.
Se refletirmos um pouco,
perceberemos que um lugar na
sociedade não nos obriga a largar os papéis próprios ao nosso
gênero. Resgatar o coquetismo,
a suavidade e a habilidade de
aconchegar não significa retrocesso à dependência e a incompetência na luta pela vida.
ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed.
Ágora)
amautner@uol.com.br
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