São Paulo, quinta-feira, 15 de março de 2007
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Outras idéias - Anna Veronica Maunter

Vítimas de nós mesmas

D e tanto nós, mulheres, lutarmos pela liberdade, conseguimos instaurar uma bela confusão. A bandeira do movimento feminista tem sido "liberdade para a autonomia" ou vice-versa. Passaram-se os anos, o mundo mudou, e as mulheres do Ocidente, de boa parte do Oriente e também do Cone Sul conquistaram estilos de liberdade que conduziram a formas variadas de autonomia.
Claro que ainda não estamos no final desse caminho. Muitos grupos e muitas culturas não chegaram lá -bem gostaria que estivessem pelo menos a caminho. Mas foram conquistados, quase no mundo todo, o direito ao trabalho e o direito de ir e vir, por exemplo, muito embora a desejável autonomia nem sempre exista. E, como nada é perfeito, nesse processo perderam-se preciosidades.
No começo do século 20, associava-se coqueteria à submissão: parecia que nós nos enfeitávamos e fazíamos jogos de sedução apenas para obter proteção. Talvez por isso as mulheres tenham começado a evitar a postura de simpáticas, suaves e encantadoras, esquecendo que um companheiro é mais do que um protetor para moças frágeis -mas também condição para formar família e procriar. É bom poder ser autônoma sem perder uma certa especificidade tão nossa. Não falo de bobagens como maquiagem, rímel, cílios postiços etc. Refiro-me ao feminino que não vê desdouro em querer ser desejada pela graça de moça, o que não leva à perda automática das qualidades de autonomia.
De medo de sucumbir ao conforto da proteção masculina, fizemos um estranho desvio: tiramos nosso olhar dos homens e pusemo-nos a competir entre nós. Quem não ouviu falar que nos vestimos para as outras? Pois é... Isso nem sempre é exagero. Hoje virou xingamento ser coquete. Preferimos virar "Barbies", aquelas bonecas só para serem vistas e não para aconchegarem ou darem colo. De que serve ser a mais bonita se desdenho o olhar desejoso dos homens? E ainda temos o atrevimento de reclamar da falta de homens?!
Eis o erro de percurso que fizemos, na ânsia de vetar as antigas desigualdades e submissões. Afoitas, apressadas, não demos a devida atenção ao fato de que equivaler não é ser igual: iguais não seremos nunca, nem vale a pena tentar. Ser mulher tem muita graça. E não é ideologia, é dom da natureza.
Se refletirmos um pouco, perceberemos que um lugar na sociedade não nos obriga a largar os papéis próprios ao nosso gênero. Resgatar o coquetismo, a suavidade e a habilidade de aconchegar não significa retrocesso à dependência e a incompetência na luta pela vida.


ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora)

amautner@uol.com.br



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