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Rosely Sayão
Lidando com a morte
Um leitor enviou uma
correspondência
muito instigante a
respeito de uma discórdia que ele e a mulher têm.
Na opinião dele, não há problema em levar a filha, que tem
seis anos, para conhecer um cemitério, já que ela manifestou a
curiosidade. Já a mãe acha que
essa experiência pode acontecer mais tarde.
Faz muito sentido, na atualidade, a resistência dessa mãe.
Temos feito de tudo para retirar a morte de cena, principalmente para as crianças. O fato é
que fazemos de conta que morrer não é o nosso destino.
O interessante é que não evitamos outros tipos de angústia
para as crianças com a convicção de que são questões pertinentes só aos adultos. Não vivemos perguntando a elas: "O que
você quer ser quando crescer?"
Não afirmamos que, se elas não
se dedicarem ao estudo, terão
dificuldades na vida? Não fazemos de tudo para que aprendam a se cuidar -ensinando a
higiene dos dentes, por exemplo- para garantir saúde e qualidade de vida mais adiante?
Ora, o que fazemos ao dizer
essas coisas a não ser anunciar
para a criança que o futuro a espera? Pois a morte faz parte
desse futuro, próximo ou não.
Amanhã ou depois, a criança se
defrontará com ela, seja pela
perda de alguém conhecido, seja no medo da própria morte.
O maior problema é que a
idéia de morte nos revela sentimentos dolorosos e não queremos que as crianças sofram
com isso. Aliás, não queremos,
nós mesmos, passar por dissabores nos lembrando de nossa
finitude e de nossas perdas.
A questão é que nossos medos e negações se convertem
em pesadelos na vida das crianças. Por isso, pais e mães interferem nas leituras da escola
por acreditarem que algumas
histórias causam noites mal
dormidas, medo e angústia.
Mas é a vida que provoca tudo isso, e não é possível escolher viver apenas parte dela.
Como somos pressionados a
garantir a nossa felicidade e a
dos filhos, fazemos de tudo para evitar sentimentos dolorosos, para nós e para eles. Não é
à toa que vivemos na era das
"pílulas mágicas" e a elas recorremos sempre que somos acometidos por dor ou mal-estar.
O que pode acontecer a uma
criança se ela for colocada
diante da morte? Não sabemos,
e nosso problema é pensar que
sabemos, fazer previsões e planejar proteção. E é desse modo
que arrancamos das crianças
muitas possibilidades vitais.
Uma delas é a de que tenham
oportunidade de pôr em palavras o que sentem e pensam;
outra, a de experimentarem
certas emoções e se mobilizarem para fazer frente a elas.
Ao visitar um cemitério ou
mesmo ao participar de um velório, a criança pode entrar em
contato com emoções diversas:
dor, desespero, serenidade,
tristeza, revolta, saudades,
amor, solidariedade, compaixão. E é bom lembrar que todas
elas fazem parte da vida.
Cemitério é um lugar que estimula lembranças, que conta
histórias, que lembra o passado
e o futuro. Por isso, pode ser,
sim, lugar para criança. O mais
importante, ao acompanhá-la
nessa aventura, é disponibilidade para, de fato, ouvir o que
ela tem a perguntar e a dizer,
estar disposto a enfrentar o imprevisível na relação com ela.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
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