São Paulo, quinta-feira, 15 de abril de 2010
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NEUROCIÊNCIA

Suzana Herculano-Houzel

O que vale é a intenção


[...]
É A INTENÇÃO DE UMA PESSOA, MAIS QUE O RESULTADO DE SUAS AÇÕES, QUE INDICA QUEM MERECE NOSSA CONFIANÇA OU APOIO


Ese um ímã aplicado à sua cabeça afetar seu julgamento sobre o que é certo ou errado, mudando sua capacidade de avaliar as intenções alheias? Não qualquer ímã, veja bem, mas uma bobina capaz de gerar um campo magnético equivalente a 400 ímãs de geladeira focados sobre um só ponto do cérebro.
Como resultado, a pessoa "magnetizada" fica menos propensa a condenar o comportamento de pessoas que tentam causar o mal a alguém, mas não conseguem.
Considere esta situação: Marta termina a limpeza e esquece a garrafa de álcool na pia da cozinha, ao lado das garrafas de óleo e azeite. Rita vai cozinhar e, distraída, joga álcool na panela, em vez de óleo; o álcool pega fogo, mas por sorte não queima Rita.
Agora, esta: Marta retira o açúcar do açucareiro e o substitui cuidadosamente com um veneno em pó branco, semelhante ao açúcar, mas capaz de matar com uma pequena dose, que ela oferece junto com o café a Rita. Rita, justo daquela vez, decide tomar seu café sem açúcar -e escapa da morte.
Nas duas situações, Marta poderia ter machucado Rita seriamente, mas nada acontece. No entanto, um júri certamente condenaria Marta por tentativa de homicídio no incidente do açucareiro, mas não no do álcool, embora ambos tenham resultados inócuos. Por que a diferença, se o resultado é semelhante?
A resposta é que o cérebro é capaz de representar a intenção de uma ação separadamente do seu resultado.
Na vida em sociedade, várias vezes é a intenção de uma pessoa, mais que o resultado de suas ações, que indica quem merece nossa confiança ou apoio. Temos no cérebro uma região especializada no assunto: a junção têmporo-parietal, acionada toda vez que nos colocamos no lugar dos outros, e que assim nos permite avaliar as intenções alheias, não importa se os resultados são alcançados ou não.
Donos de uma junção têmporo-parietal saudável são capazes de condenar moralmente o comportamento de Marta no incidente do açúcar, apesar do resultado inócuo. Mas, como mostrou um estudo recente, se a atividade dessa parte do cérebro é perturbada por um forte campo magnético, os voluntários do estudo se tornam mais complacentes, focados agora no resultado (inócuo ou fatal), e não na intenção maléfica do ator da história. Como Rita não morreu envenenada, "Marta não fez nada errado" -o que você sabe ser errado.
Afinal, o que vale é a intenção -seja para o bem ou para o mal. E não será um ímã de geladeira que mudará isso!


SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blog www.suzanaherculanohouzel.com

suzanahh@gmail.com


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