São Paulo, quinta-feira, 15 de outubro de 2009
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Maratona na selva

Prova na floresta amazônica faz participantes enfrentarem calor, umidade, picadas de insetos e até animais selvagens

RODOLFO LUCENA
EDITOR DE INFORMÁTICA

Quase 90 quilômetros de calor, umidade, cipós chicoteantes, uivos e rugidos de animais selvagens, agulhantes picadas de insetos, escuridão, dúvidas e medo é o que enfrentam hoje os participantes da Maratona da Selva, prova de aventura e resistência disputada nos confins da Amazônia. A corrida, que começou no domingo, tem mais de 200 km e é disputada em etapas -a de hoje, a mais longa, deve se desenrolar até amanhã.
Os competidores começam atravessando um riacho de 300 metros. Carregando suas mochilas e calçando sapatos molhados, partem então para desbravar a mata, seguindo trilhas e picadas que não são exatamente uma estrada de asfalto...
Quem não consegue terminar essa etapa ainda com luz do dia (o que é a maioria) acampa à noite protegido por guardas armados, pois passam pelo trecho da Floresta Nacional do Tapajós (Pará) onde há a maior concentração de onças.
"Os pântanos são horrorosos. Tem aqueles mangues, com aquele cipó pendurado, aquela coisa escura, bem tenebrosa. No trecho mais longo, a gente passa por um ponto muito próximo do local de que as onças gostam. O que de dia seria uma bela estrada, de noite se transforma num túnel de horror", lembra a corredora potiguar Jacqueline Terto, 42, que foi a mais rápida mulher em 2008.
Não se trata apenas de ser rápido. Há que ser resistente e capaz de, literalmente, se autossustentar, pois cada corredor tem de levar, como equipamento obrigatório, a comida que imagina que irá consumir ao longo de todo o trajeto.
Nos acampamentos montados pelos organizadores, onde os corredores podem descansar e tratar os ferimentos, eles recebem apenas água.
São condições que podem derrubar qualquer "fera" do atletismo. Já no primeiro dia, em que o trecho a percorrer era de 15 km, aconteceram as primeiras desistências, segundo relato no site da prova (www.junglemarathon.com).
O percurso envolvia a travessia de pântanos e subidas e descidas bastante íngremes -em contrapartida, os corredores experimentaram, a distância, a visão de uma grande jiboia e felinos selvagens.
Um corredor resolveu não ir até o final e outro não conseguiu completar o percurso no tempo determinado. Ao final do dia, vários atletas tiveram de receber atendimento médico de emergência -três foram levados ao hospital mais próximo, em Santarém, a duas horas e meia do acampamento.
Assim, não é difícil acreditar no relato do analista de sistemas Márcio Villar do Amaral, 42, que foi o quinto colocado no ano passado. Para ele, o trecho mais complicado foi exatamente a quinta etapa, que os competidores percorrem hoje: "Quando vinha descendo uma ribanceira, as solas dos meus pés descolaram, devido ao grande calor e à umidade de 90%. Corri dois dias chorando de dor ao pisar no chão; no último dia, urinei sangue".
Mas é provavelmente essa exigência absurda de superação, além da curiosidade sobre a selva amazônica, que faz com que corredores de todo o mundo enfrentem o desafio, desembolsando quantias significativas -só a inscrição custa 1.600 libras (mais de R$ 4.300).
O valor paga uma noite em barco antes da prova, transferências, acampamento na selva, água, auxílio geral e assistência médica durante a prova e mais uma noite de hotel no final. Inclui também camiseta e medalha da prova e o bufê de gala, sem bebidas...
Mesmo assim, a Maratona da Selva atrai mais de cem competidores vindos de 22 países -China, Austrália, Nova Zelândia, Estônia, Suécia, Malásia e África do Sul são alguns deles.
Muitos chegam sem a mínima ideia das condições que vão enfrentar. "A prova vai ser quente e cheia de criaturas estranhas, animais desconhecidos", previa na semana passada Michael Wolfe, advogado de 31 anos que venceu, no ano passado, o campeonato norte-americano de 100 milhas (160 km) em trilha.
"Eu nunca participei de uma corrida por etapas e para mim também é novidade ter de carregar todo o equipamento. Mas, para mim, o ambiente é que será o grande desafio. Correr vai ser a menor de nossas preocupações. Não estou acostumado a um ambiente úmido, pois venho de um clima frio e seco; nunca fui a uma floresta", completou.
Nikki Kimball, 38, também norte-americana e apontada como candidata ao título da prova, concordava: "Vai ser diferente de tudo o que já enfrentei. O meu último treino, ontem [segunda, 5/10], foi na neve. Chegamos aqui com clima quente e úmido, é uma mudança completa. Será mais uma aventura do que uma corrida".
Chegar ao ponto de partida já é uma experiência exótica -depois de aportarem em Alter do Chão, famoso destino turístico da região, os corredores encaram uma viagem de bote até Itapuama, de onde saem para o primeiro estágio.
Lá mesmo, por sinal, ocorreu a primeira emergência médica deste ano. Enquanto instrutores alertavam os competidores sobre os perigos que iriam enfrentar, como serpentes, onças, aranhas e plantas venenosas, uma das voluntárias desmaiou e feriu o rosto. A causa, provavelmente, foi desidratação, segundo relato no site da prova.
O que vale é que tudo termina no sábado, com muita festa e comida nas areias brancas de Alter do Chão.


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