São Paulo, quinta-feira, 16 de novembro de 2006
Próximo Texto | Índice

Outras idéias

Wilson Jacob Filho

Abrindo portas

Quando o assunto é envelhecimento, sempre há alguém interessado em discorrer sobre as inúmeras perdas que ocorrem com a idade.
Não há dúvida de que as funções declinam e de que é importante diferenciar as alterações que decorrem simplesmente do passar do tempo (senescência) daquelas que devem ser valorizadas como sinal ou sintoma de doenças (senilidade). Apenas estas necessitam de diagnóstico e tratamento.
Infelizmente, porém, há confusões que apontam para perdas muito significativas que, em realidade, pouco interferem na saúde ou no bem-estar. Com esses dados, são feitos gráficos e previsões que geralmente assustam quem teme o que está por vir. Nada mais lógico que, em geral, procurem os mercadores de ilusão que ainda vendem o elixir da longa vida ou a fonte da juventude.
Desnecessário falar das longas conversas sobre o arrependimento de ter investido suas economias nisso ou de ter perdido o tempo fazendo aquilo, em vez de cuidar dos fatores de risco que determinariam as conseqüências atuais.
Há, porém, uma questão ainda mais freqüente que passa despercebida. Se analisarmos as principais reclamações daqueles que atribuem suas mazelas à velhice, veremos que raramente isso decorre da senescência, confirmando que envelhecer não é o maior problema.
Da mesma forma, sabemos que as doenças bem cuidadas permitem ao doente a mesma funcionalidade daqueles que não as têm, atestando que vale a pena investir no diagnóstico precoce e no tratamento constante das enfermidades.
Do que se queixam, portanto, os descontentes com a idade? Boa parte percebe que perdeu o melhor momento para ter um papel ativo sobre o próprio futuro, que agora é presente. Não fez a sua parte e atualmente se defronta com as conseqüências da omissão. Como assumi-la é muito doloroso, nada mais simples do que culpar a tão famigerada velhice, isentando-se da própria responsabilidade.
Além das questões físicas, porém, são incluídos muitos dissabores decorrentes do isolamento, da falta de oportunidades, da inutilidade. A maior parte das limitações sociais do idoso não depende exclusivamente das suas condições físicas, mas da diversidade de opções que desenvolveu durante a vida. Em qualquer idade, quanto mais limitadas forem as possibilidades de satisfação, mais freqüentes serão as chances de desprazer. Como esse é um fenômeno cumulativo, à medida que apenas poucas coisas são capazes de conferir bem-estar, os seus determinantes vão se tornando cada vez mais imprescindíveis e, quando finitos, deixam um grande vazio atrás de si. Por isso se explica a aparente ruína do homem que só tinha prazer em trabalhar ou da mulher que apenas deu ênfase aos seus atributos maternais. Além de cuidar da saúde, cabe-nos a importante tarefa de deixar abertas as portas pelas quais já passamos ou por onde gostaríamos de ter passado para que, no futuro, possamos nos beneficiar do nosso passado.

[...] Boa parte dos descontentes com a idade percebe que perdeu o melhor momento para ter um papel ativo sobre o próprio futuro, que agora é presente


WILSON JACOB FILHO, professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas (SP), é autor de "Atividade Física e Envelhecimento Saudável" (ed. Atheneu)
@ - wiljac@usp.br


Próximo Texto: Pergunte aqui
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.