São Paulo, quinta-feira, 16 de dezembro de 2004
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Comportamento

Calvície preocupa tanto quanto doença crônica e compromete qualidade de vida

Como se fosse sansão

Sérgio Zacchi/Folha Imagem
O advogado Carlos Cipro, 25, que se sente mais velho por conta da calvície


RODRIGO GERHARDT
DA REPORTAGEM LOCAL

Ter cabelo protege a cabeça dos raios solares, torna o cafuné mais gostoso e, para muitos, é um estímulo sexual infalível. É fácil entender então porque a falta dele causa tanta comoção. No entanto, a relação emocional que homens e mulheres estabelecem com os cabelos está longe de ser apenas um capricho da vaidade. Perdê-los pode significar uma redução da qualidade de vida na mesma intensidade que a de portadores de doenças crônicas de pele, como acne e psoríase, ainda que a careca seja cada vez mais popular.
"Os resultados comparativos são muito próximos. Pessoas que não aceitam bem o surgimento da calvície têm uma ansiedade que afeta outros aspectos da vida e que precisa ser considerada no tratamento clínico", diz a dermatologista Mirella Brito Moraes. Em uma pesquisa de especialização em medicina estética, que aguarda publicação científica, ela aplicou um questionário a 48 indivíduos, entre portadores de alopécia androgenética (calvície) e pessoas sem problema de queda de cabelo. O grau de importância dado ao cabelo foi muito maior entre os calvos -uma pontuação média de 64 pontos contra 11.
Os que mais sofrem com o problema ainda são os jovens e as mulheres, para quem os fios têm maior valor estético. Muitos evitam se expor em ambientes sociais, se sentem prejudicados no trabalho e passam a ser mais inseguros nos contatos amorosos. "Nunca deixei de fazer nada por causa disso, mas tenho medo de me sentir rejeitado. Acho que a primeira coisa que as pessoas notam é a careca. Lido diariamente com essa ditadura da moda, sei como é", diz o maquiador Théo Carias, 34, justificando o uso do boné em tempo integral.
Segundo Carias, sua maior frustração com a calvície é não poder investir em penteados diferentes, mais ao gosto do seu estilo despojado. Como alternativa, passou a investir na coleção de chapéus e pensa até na possibilidade de tatuar a careca, "para fazer do defeito um efeito".
Já o advogado Carlos Cipro, 25, detectou a alopécia aos 18 anos, mas só começou a se preocupar quando as entradas chegaram no meio da cabeça, cinco anos depois. "Estavam virando saídas. Comecei a me incomodar quando passei a me sentir mais velho, com uma aparência de doente. Minha namorada diz que não liga para isso, mas acho que é para que eu não fique chateado", afirma Cipro, que iniciou umtratamento capilar.
Para a dermatologista Mirella Brito Moraes, as crises de ansiedade e estresse emocional podem agravar a queda, pois influenciam o ciclo do cabelo, tornando sua vida mais curta, o que gera ainda mais ansiedade.
Se pudesse escolher a própria cabeleira, a analista de preços Sueli Sakuramoto, 40, gostaria de ter as madeixas da atriz Carolina Dieckmann. Em comum, as duas já viveram a experiência de perder totalmente o cabelo. Mas, ao contrário da atriz, que cortou seus cabelos durante a gravação de uma novela, Sueli nunca recuperou totalmente os fios perdidos aos 16 anos, por conta de uma associação de dois tipos de alopécia. "Usei peruca por cinco anos, no auge da minha juventude. Curiosamente, descobri com os meus namorados que isso não afetava a minha relação com eles. Meu problema foi ouvir de um médico que a calvície poderia me prejudicar em uma entrevista de emprego", conta.

"PAPOTERAPIA"
Para a psicóloga Tatiana Brito da Costa, que responde dúvidas no site especializado no assunto "Clube dos Carecas" (www.clubedoscarecas.com.br), a calvície muitas vezes mascara algumas questões. "Ela passa a ser o fator principal para as suas dificuldades. É muito comum ouvir queixas de pacientes que não conseguem uma parceira por serem carecas", avalia Costa, que acredita que assumir a calvície é melhor do que tentar disfarçá-la para lidar com a situação.
"A aceitação de si mesmo é fundamental, mas para isso é preciso conhecer a fundo nossos sentimentos, o que pode exigir até um processo terapêutico", diz a psicóloga. Seu irmão Marcus Vinícius, 37, o criador do clube, superou a "síndrome de Sansão" ao encontrar pessoas mais bem resolvidas e na mesma situação.
Com a supervalorização da imagem e da beleza, um dos aspectos mais fortes para a crise de auto-estima dos calvos, até quem não sofre com o problema entra na roda. Para interpretar Santos Dumont na minissérie "Um Só Coração", da Globo, o ator Cássio Scapin, 40, precisou raspar dois dedos de cabelo para ficar com a testa mais larga. "Foi uma sensação muito estranha. Se isso fosse permanente, acho que sofreria muito. Não faço parte do time dos galãs, mas me preocupo muito com o cabelo. Tenho cremes, xampus e faço periodicamente banho de hidratação."
Para o dermatologista João Roberto Antônio, quanto mais acentuada a calvície, maior a sua influência sobre o estado psicológico do paciente. No entanto, quem se encarrega, na maioria das vezes, de ajudá-lo a levantar a auto-estima é o próprio médico.
Especialista em transplante capilar, o que para muitos homens é o último recurso, o dermatologista Francisco Le Voci diz que precisa de muita "papoterapia" para lidar com os mais desesperados. Segundo ele, graças ao maior nível de informação sobre o assunto, as pessoas estão buscando tratamento mais cedo, mas ainda chegam cheias de expectativa e confusas com as informações. O principal erro é acreditar que algum remédio possa fazer nascer mais cabelo. "O primeiro passo é esclarecer o paciente. Nenhum medicamento conseguiu ainda ressuscitar folículos que foram perdidos", afirma Le Voci.
Para os que não conseguem mais esconder a careca, os dermatologistas reforçam: neste verão, não esqueça o protetor solar.


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