São Paulo, quinta-feira, 16 de dezembro de 2004
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Entrevista

Mãe de portador da doença relata sua experiência e da ONG que luta pela inclusão

Respeito à síndrome de Down

KARINA KLINGER
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Se fosse enumerar quantas vezes já foi à maternidade, Rosane Lowenthal, 38, perderia a conta. Diferentemente da maioria das futuras mães que entram ansiosas para dar à luz, Rosane está sempre calma e disposta a conversar sobre o delicado nascimento de uma criança com deficiência. Uma das fundadoras da ONG Grupo 25, a mãe de Bruno, 11, e de Vitor, 8, quer provar que nenhuma doença é capaz de impedir que uma criança desenvolva sua potencialidade. Quando começou com o projeto, a dentista já era mãe de Bruno, portador da síndrome de Down. Ela não se conformava em colocar o filho numa escola especial.

EQUILÍBRIO - Como surgiu a idéia da ONG?
ROSANE Lowenthal -
Ela nasceu há oito anos. Naquela época, éramos jovens casais com filhos pequenos com algum tipo de deficiência. Estávamos sempre insatisfeitos porque não queríamos que eles freqüentassem escolas especiais. No primeiro momento, a idéia era tentar resolver um problema pessoal. Mas passamos a fazer um trabalho voltado para esse setor. É claro que os primeiros beneficiados foram os nossos filhos.

EQUILÍBRIO - Em que área atua a ONG?
ROSANE -
Trabalhamos com educação, damos assessoria a escolas para trabalhar a questão da diversidade dentro da comunidade escolar, o que inclui a conscientização do professor, dos alunos e dos pais. A escola tem de estar aberta pra aceitar qualquer tipo de deficiência, seja visual, física ou intelectual. Temos também um projeto de acolhimento das famílias nas maternidades. Quando nasce uma criança com síndrome de Down, os hospitais nos chamam para conversar com os pais daquele bebê. Estamos começando um outro projeto para conscientizar jovens de comunidades carentes.

EQUILÍBRIO - Como fica o emocional dos pais?
ROSANE -
A sensação de perder o chão é bastante comum. Nosso objetivo é mostrar que a situação não é um bicho-de-sete-cabeças como a maioria das pessoas pensa. Queremos mostrar que toda criança tem uma potencialidade a ser descoberta. Depois, os pais podem continuar com a gente, se associar à ONG. A negação inicial também é freqüente, mas acho que os pais estão se recuperando mais rápido.

EQUILÍBRIO - Como foi com seu filho?
ROSANE -
Naquela época, o ultrasonografia não era como hoje -com recursos visuais que mostram as características mais comuns na síndrome de Down, como a cabeça maior, por exemplo. Eu só soube na hora em que ele nasceu. E quando o Bruno chegou, pensei: "O mundo não está preparado para tê-lo". Sempre tínhamos em mente melhorar a qualidade de vida do nosso filho. Não conseguiria viver sem ele. Tenho certeza que se ele não tivesse síndrome de Down, ele seria o mesmo Bruno para mim.

EQUILÍBRIO - O que a experiência lhe trouxe?
ROSANE -
Aprendemos a respeitá-lo e depois acabamos levando isso para o resto da nossa vida. A grande lição foi aprender a respeitar a todos. Somos absolutamente diferentes um do outro, mas o ser humano entra nesse jogo da igualdade e torna-se ainda mais preconceituoso. O mais rico dessa história foi poder ver que todo mundo é diferente.

EQUILÍBRIO - Como foi a luta para que seu filho tivesse todos os direitos na sociedade?
ROSANE -
Levava ao médico, e ele respondia bem às estimulações. Enquanto ele estivesse rendendo, o médico dizia que ele deveria ficar na escola regular, só depois iria para a especial. Quando o Bruno tinha sete anos, fui ver uma escola especial e saí de lá triste. Aquilo não parecia uma escola. Ouvia então do médico que teria de abrir uma escola só para ele. Sofri muito com essa coisa de não querer que ele fosse para uma escola especial.

EQUILÍBRIO - O que dificulta a inclusão?
ROSANE -
A gente, na ONG, sempre brinca que o direito não garante qualidade. Existem ainda muitas falhas. A escola tem um discurso lindo para trabalhar diversidade, mas ainda não domina isso na prática. No final, é um aprendizado. A escola precisa estar aberta para atender. Eles, os alunos ditos incluídos, estão denunciando a falha das nossas escolas, o quanto nossa educação é ruim e que não está preparada para ninguém. O Bruno, por exemplo, na 1ª série, saía muitas vezes da sala de aula. Em casa, ele me disse que saía porque não entendia o que a professora tentava dizer. A própria professora me falou: "Cada vez que ele levantava, olhava para os outros que também tinham vontade de sair porque não estavam entendendo". O bom professor é aquele que sabe lidar com todos. Aquele que não sabe lidar com o meu filho não sabe lidar com nenhum aluno. Não tenho dúvidas.

EQUILÍBRIO - E a didática em sala de aula?
ROSANE -
Os deficientes físicos brigam pela acessibilidade, os deficientes visuais, pela carência de material de estudo, mas a deficiência mental pega ainda mais. Uma criança com Down pode não saber todo o conteúdo de uma determinada série, mas será que as outras crianças sabem? A escola ainda está fixada em um único conteúdo, mas o interessante é que as crianças sempre conseguem desenvolver uma estratégia para sobreviver ao meio. Na semana passada, o Bruno veio com uma lição de casa sobre tipos de vírgula, não me lembrava de ter aprendido isso. Perguntei a ele o que era e ele disse que a gente a coloca quando precisamos respirar. Foi o jeito que ele encontrou para entender a lição.

EQUILÍBRIO - O que a sra. espera do futuro?
ROSANE -
No meu caso, estou tentando fazer tudo para que ele seja independente. A saída é por aí. Quero que ele seja respeitado. Existe uma grande incógnita, afinal, os jovens incluídos ainda são poucos para contar o final de toda essa história. Mas vejo casos promissores. No grupo, temos uma mãe cuja filha com Down trabalha em um grande banco, outra cursa faculdade de fisioterapia. Se, na Europa e nos EUA, há mais investimento do governo nessa área, aqui no Brasil temos a vantagem de sermos criativos.


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