São Paulo, quinta-feira, 17 de maio de 2007
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ALIMENTAÇÃO

pequena gastronomia

Chefs sugerem receitas para variar sabores e introduzir novos alimentos nas comidas para bebês; segundo pesquisa, maioria das papinhas caseiras tem falhas nutricionais

Julia Moraes/Folha Imagem
João Pedro, um ano e três meses, saboreia a polenta com ovo de codorna preparada pelo pai, o chef Jefferson Rueda


IARA BIDERMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Vestindo o jaleco de chef com o seu nome bordado, João Pedro degusta o menu composto por polenta mole com ovo de codorna e um criativo risoto feito de macarrão. Degusta é força de expressão. Na verdade, ele devora. João Pedro tem um ano e três meses. Naturalmente, ainda não adquiriu os hábitos de etiqueta comuns às mesas de alta gastronomia. O paladar, no entanto, tem requintes de gourmet.
Filho do chef Jefferson Rueda, do restaurante Pomodori, em São Paulo, João Pedro aprendeu cedo a provar de tudo. Como prega a maioria das correntes gastronômicas, suas refeições são elaboradas com ingredientes da estação fresquíssimos e os pratos têm preparo artesanal. Além da influência da profissão, Rueda busca inspiração na própria infância para preparar a comida do filho. "Eu nasci no interior, cresci à base de papinhas caseiras feitas com muito capricho", conta.
As lembranças infantis também influem na forma com que Carole Crema lida com a alimentação da filha Luiza, de dez meses. Mas para Crema, chef do restaurante Wraps e da Escola Wilma Kövesi de Cozinha, ambos em São Paulo, a influência se dá pelo aspecto negativo. "Fui uma criança insuportável, não comia nada", revela a chef. O tempo e a profissão ensinaram Crema a comer como gente grande, mas ela acha que com Luiza o processo será mais rápido, fácil e gostoso.
A chef avalia que a comida de bebê tem uma série de limitações, por causa das orientações dos pediatras, mas nem por isso precisa ser cansativa e sem graça. Nos cursos que deu sobre culinária para bebês, ela percebeu que as mães geralmente têm muita dificuldade para sair do lugar-comum: cenoura, mandioquinha, batata e mais alguma verdura, de preferência de gosto bem suave. "Gosto de usar abóboras de todos os tipos, berinjela, inhame, cará, azedinha, rúcula, folhas de mostarda, agrião, aspargos, alcachofra, todos os vegetais que se possa imaginar." Ingredientes pouco usuais na comida de bebês, como alecrim e noz-moscada, já fazem parte da experiência gastronômica de Luiza. "Ela está comendo tudo. Não sei se isso vai perdurar, mas espero que ela não seja uma criança como eu fui em relação à comida", diz Crema.
O mais provável é que o desejo da mãe-chef se realize. Segundo a nutricionista Maria Luiza Ctenas, autora de "Crescendo com Saúde - Guia da Nutrição Infantil" (C2 Editora), uma introdução bem-feita dos alimentos cria o acervo de sabores do indivíduo. Se esse acervo é grande e variado, em algumas etapas do desenvolvimento a criança pode até entrar naquela fase de não querer comer nada. Mas é só uma fase e passa, acredita Ctenas. "Se ela experimentou uma grande variedade de sabores quando bebê, tem grandes chances de manter bons hábitos alimentares quando crescer."
É esse aspecto da abordagem gourmet para a alimentação de bebês que deve ser aproveitado, segundo a pediatra Fernanda Luisa Ceragioli, do departamento de nutrologia da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria). "Proporcionar variedade de sabores é fantástico. O uso de produtos frescos da estação e o preparo caseiro das refeições também são excelentes", diz. Ceragioli, porém, acha que o termo gourmet deve ser encarado com reservas, para que os pais não cometam exageros ou imaginem que terão de usar ingredientes caros e receitas complicadas. "Dá para melhorar o jeitão da papa sem ficar viajando muito. O importante é deixar bem claro que, na alimentação do bebê, cada alimento precisa ser introduzido com critério e aos poucos", ensina.
O chef Renato Carioni, do restaurante Cantaloup, em São Paulo, não deixa de colocar sua colher no preparo da comida do filho Ricardo, de 13 meses. Caroni incrementa as papinhas do filho com ervas frescas, azeite de oliva e, conforme a receita, parmesão ralado. "Tudo foi introduzido de forma gradual, de acordo com as indicações pediátricas", afirma.
O chef acha fundamental gastar um pouco de tempo preparando o caldo-base para a papinha: carne ou frango cozidos lentamente com cebola, cenoura, salsão, alho e um buquê de ervas frescas. Entre as extravagâncias culinárias, ele comenta ter usado carne de pato e de cordeiro para preparar o caldo. Não é preciso chegar ao requinte de usar carnes caras ou raras, mas a experiência gastronômica de cozinhar com ingredientes diferentes é benéfica também do ponto de vista nutricional. Quanto mais variada e colorida uma refeição, maiores as chances de ela ser rica em nutrientes.
Além de sem graça, a papinha trivial, feita sempre com os mesmo alimentos, pode se tornar deficiente em nutrientes essenciais. Segundo uma pesquisa feita pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) no fim do ano passado, a maioria das papinhas caseiras apresenta falhas nutricionais. As principais são baixa quantidade de ferro e excesso de sal, conta a responsável pela pesquisa, Pérola Ribeiro, docente do curso de nutrição da universidade São Francisco, de Bragança Paulista (SP).
O uso de ervas aromáticas é uma boa idéia para deixar a comida gostosa com menos sal, por exemplo. E aumentar o repertório de ingredientes pode ajudar a garantir a inclusão de todos os grupos de nutrientes nas refeições do bebê.
Pensar de um ponto de vista mais gourmet também pode trazer soluções para introduzir alimentos considerados ótimos do ponto de vista nutricional, mas que costumam entrar na lista dos recusados pelas crianças. Fígado? É uma excelente fonte de ferro, que a maioria das crianças não gosta. "Por que não fazer um patê de fígado para o bebê?", pergunta a nutricionista Margarete Steigleder, autora de "Meu Bebê Gourmet" (ed. Disal). Steigleder propõe, além de variar os ingredientes, brincar com o preparo e a forma de apresentação. Suflês (quando a clara de ovo já foi introduzida na alimentação do bebê), bolinhos ou legumes gratinados são algumas de suas sugestões. Assim, a descobertas dos sabores vem junto com a das texturas, formas, apresentação visual - tudo o que se espera de uma verdadeira experiência gastronômica.


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