São Paulo, quinta-feira, 17 de maio de 2007
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SAÚDE

reação adversa

Pesquisadores norte-americanos identificam hormônio contra a ansiedade que tem efeito contrário em adolescentes

DANIELA ARRAIS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Irritação é palavra constante no vocabulário do adolescente Rafael Emmanouilides, 13. Uma nota baixa na escola ou a proibição dos pais a uma saída com os amigos são capazes de alterar radicalmente o humor do garoto. "E quando a internet trava? Aí fico muito irritado."
Assim como a maioria dos adolescentes, Rafael passa da alegria à tristeza em um piscar de olhos -mudança apontada como natural por psicólogos e psiquiatras. "Os adolescentes falam que são 'aborrecentes', pois ninguém os entende, ninguém fala a mesma língua que eles", afirma a psicóloga Lia Pinheiro, que coordena o programa "Dá pra Atender" da Casa do Adolescente, vinculada à Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo.
A chave para o entendimento das oscilações de humor e de ansiedade tão comuns aos adolescentes pode estar em uma pesquisa científica realizada pelo Departamento de Fisiologia e Farmacologia da Universidade Estadual de Nova York, publicada na revista "Nature Neuroscience".
Pesquisadores identificaram um efeito diferente de um hormônio que age contra a ansiedade. Trata-se do THP, um esteróide que é liberado no corpo em situações de estresse. Nos adolescentes, no entanto, o efeito é contrário: aumenta a ansiedade, deixando-os ainda mais irritadiços. Segundo Sheryl Smith, pesquisadora que liderou o estudo, existe, agora, uma explicação científica para a flutuação do humor nos adolescentes -que tanto preocupam pais e professores, além, é claro, deles mesmos.
Smith afirma que ainda não está claro por que isso acontece, mas sugere que o efeito do THP resulta na inibição do GABAergic, um receptor que normalmente aparece em níveis baixos, mas que, na puberdade, atua com mais força em determinada área do cérebro.
A pesquisa foi realizada com ratos, que tiveram atividade cerebral e comportamento avaliados. Foram analisados animais que estavam em estágio de pré-puberdade e de puberdade, além de adultos -eles foram submetidos a momentos de estresse e colocados em vidros onde permaneceram por 45 minutos. Vinte minutos depois do estresse, o rato novo e o adulto mostraram um grau pequeno de ansiedade, enquanto o "adolescente" apresentou comportamento contrário.
Para o psiquiatra Chafi Abduch, do Programa de Saúde Integral do Adolescente da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, a revelação da pesquisa pode contribuir para um melhor entendimento sobre os adolescentes. "Acredito que o hormônio seja liberado após o estimulo emocional. Nos estados emocionais apaixonados, por exemplo, existe liberação de um hormônio diferente. Então a flutuação de humor também pode ser definida por outro hormônio", sugere.
"A transformação pelas quais os adolescentes passam já é suficiente para explicar a irritabilidade e a alteração de humor deles. Se isso acontece em função de um hormônio ou não, ainda não sabemos", rebate o psiquiatra Ênio Roberto de Andrade, diretor do serviço de psiquiatria da infância e da adolescência do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).

Relações conturbadas
Fernanda Andrade, 15, muda de humor sempre que alguém a contraria. "Quando um menino que estou paquerando não olha para mim, fico irritada. Quando estou com TPM, fico estressada o dia inteiro."
Para Liara Fernanda Fusco, 19, a instabilidade do humor pode ser atribuída a um motivo bobo, a uma briga com o namorado ou a uma inquietação diante de um trabalho da faculdade. "Qualquer coisa idiota pode me deixar bem irritada. Em um mesmo dia posso ter humores diferentes, é bem imprevisível." Já o que tira Paola Lorenzetti, 17, do sério é não receber a atenção enquanto fala com alguém. "Quando não prestam atenção em mim, no que eu estou falando, fico estressada", afirma a garota, que tenta ficar quieta até o mau humor passar, "para ninguém ficar interferindo nos meus problemas".

Problemas pequenos
Rafael, o garoto do começo desta reportagem, não esconde que coisas pequenas são capazes de "estragar" seu dia. "Quando acontece algo que eu não gosto, grito, fico emburrado, de mau humor, não faço mais nada durante o dia."
Quem tenta administrar a situação é a mãe dele, a advogada Silmara Emmanouilides, 43. "Normalmente, não dou bola, deixo [a irritação] passar. Se a gente fica retrucando, é pior. Mas quando ele se acalma, a gente senta e conversa."
Roseli da Silva Tusco, 40, mãe da adolescente Liara, também tenta conversar, apesar de não entender as causas de tanta irritação. "Não sei se são os hormônios que a deixam tão difícil. Fico sem saber o que aconteceu com a minha filha. Quando ela era criança, era mais fácil lidar com ela. Na adolescência ela ficou mais irritada", diz. "Espero que com o tempo isso passe."
O psiquiatra Gustavo Teixeira, autor de "Transtornos Comportamentais na Infância e Adolescência" e membro da American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, explica que a impulsividade tende a diminuir com a entrada na vida adulta.
"Enquanto essa fase não passa, é importante conversar com o adolescente. Vários estudos mostram que relações familiares positivas e interações saudáveis são protetoras em relação ao desencadeamento de transtornos comportamentais", diz Teixeira.


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