São Paulo, quinta-feira, 18 de março de 2010
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NEUROCIÊNCIA

Suzana Herculano-Houzel

Filmes, fofocas e colunas no jornal


[...]
POR QUE GOSTAMOS DE ENCONTRAR OS AMIGOS PARA BOTAR O PAPO EM DIA E FALAR SOBRE A VIDA?


O temporal de domingo derrubou a árvore do jardim sobre um carro estacionado na rua. Assim que a tempestade cedeu, surgiram os bombeiros para liberar o carro -e, com eles, uma pequena multidão de vizinhos e passantes para acompanhar os trabalhos.
Daqui de casa, assumimos também nosso posto de observação à janela, é claro. Afinal, a curiosidade, motivação para entender o que não se entende e conhecer o que não se conhece, é parte do que nos move. E muito útil: saímos do episódio sabendo como se remove uma árvore (aos pedaços, de preferência prendendo o tronco principal para que não desabe sobre quem trabalha) e com uma anotação no caderninho mental para se lembrar de não estacionar sob árvores em época de chuvas.
Agora de manhã, o assunto provavelmente já foi contado e recontado várias vezes em vários lares e será mencionado futuramente em papos entre amigos quando o assunto for chuva.
E acho que aqui está a resposta a uma antiga pergunta minha: por que gostamos tanto de encontrar os amigos para botar o papo em dia e falar sobre a vida, sobretudo a dos outros? Por que passamos tanto tempo conversando sobre o último filme que vimos no cinema ou a roupa da atriz no Oscar?
Compartilhar opiniões sobre filmes ou atrizes não vai mudar o curso da história deles e tem boas chances de também não alterar as opiniões dos seus amigos. Mas, se a comunicação é a capacidade que o cérebro tem de fazer a sua atividade influenciar a atividade do cérebro dos outros, então por meio de gestos, conversas e palavras escritas nossos pensamentos afetam os dos outros.
Por vezes, trocam-se informações de fato úteis, e o azar do carro amassado de um se torna a precaução de outro.
Em outras, descobrem-se valores em comum, que servem de laços de identificação social, ou oferece-se apoio, compreensão e, quem sabe, até soluções inesperadas.
Trocar ideias é, sobretudo, uma maneira eficaz de expandir seus horizontes e o alcance do seu cérebro, inclusive vivendo, de maneira emprestada, vidas que não são suas -e aprendendo com elas. A comunicação permite ao cérebro transcender suas limitações, ainda que somente por alguns instantes.
Durante um livro ou filme, você pode experimentar mentalmente viver na Roma antiga, ser aviador ou corista do Moulin Rouge.
E, se você não é neurocientista, pode ler a respeito em colunas no jornal. Esta, por exemplo, foi minha centésima tentativa de adentrar os seus pensamentos...


SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blog www.suzanaherculanohouzel.com

suzanahh@gmail.com


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