São Paulo, quinta-feira, 18 de maio de 2006
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Saúde

Embora o Brasil não tenha um inverno dos mais rigorosos, há quem sinta, nesta época, os efeitos do frio no corpo

Termômetros em baixa

Eduardo Knapp/Folha Imagem
Lourival Batista, que quebrou a mão no início do ano e afirma sentir mais a fratura no frio


TATIANA DINIZ
DA REPORTAGEM LOCAL

A secretária Magda Salete Ferreira, 52, sabe que a temperatura vai cair pelas dores mais acentuadas que sente no corpo. O presságio de frio também é evidente na mão do artista plástico Lourival Batista, 31, e na bacia do gerente Alberto Pontes, 27. A dona-de-casa Edna Morandini, 66, conta que costuma reforçar o estoque de antiinflamatórios e de analgésicos para enfrentar esta época do ano. Com a chegada do inverno, as queixas de incômodos ósseos, articulares e musculares viram hit nos consultórios. Mas a ciência ainda não conseguiu explicar precisamente por que dores desse tipo se tornam mais agudas com a queda da temperatura. Enquanto, nas ruas, as pessoas seguem reclamando do "frio de doer os ossos", os médicos se dividem entre creditar ou não esses sintomas às oscilações do termômetro.
De acordo com os especialistas, há poucos estudos sobre o impacto do frio no organismo e sobre suas conseqüências fisiológicas. Sabe-se, porém, que as temperaturas mais baixas provocam constrição vascular, prejudicando a circulação do sangue no corpo. Essa seria a provável causa da maior sensibilidade à dor durante as épocas frias.


As temperaturas mais baixas provocam constrição vascular, prejudicando a circulação do sangue


Some-se a isso o fato de que a musculatura, em busca de aquecimento, tende a se contrair, fazendo com que algumas regiões se tornem mais doloridas. Já nas articulações, o líqüido sinuvial -responsável por nutri-las e lubrificá-las- também se torna mais espesso com o esfriamento do corpo, o que pode prejudicar movimentos e gerar incômodos.

POLÊMICA
Apesar dessas evidências, a hipótese de o frio acentuar dores ósseas é controversa. "O tema é motivo de chacota entre médicos. O frio não causa dor, é a umidade do ar que causa", argumenta o reumatologista Roger Levy, professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). "Há poucos estudos. Na década de 90, uma pesquisa canadense tentou relacionar sintomas reumatológicos a oscilações de temperatura sem encontrar associações significativas", emenda Ibsen Belline Coimbra, chefe da unidade de reumatologia do departamento de clínica médica da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Campinas.

PESQUISAS
Um estudo experimental feito pelo departamento de regulação neural do Instituto de Pesquisa em Medicina Ambiental da Nagoya University, no Japão, submeteu, entre 1998 e 2002, ratos com dores crônicas -dor ciática ou inflamação crônica na articulação da pata- a variações de temperatura e pressão.
A experiência apontou que as cobaias expostas a baixa temperatura ou a baixa pressão apresentavam agravamento do comportamento característico de dor. Entre as conclusões do estudo está a de que essas condições intensificam os sintomas dolorosos.
"Esse estudo comprova que o processo de dor é modulado pelas alterações climáticas", diz Roberto Heymann, presidente da comissão de dor, fibromialgia e outras síndromes dolorosas de partes moles da Sociedade Brasileira de Reumatologia.
Outra pesquisa, realizada pelo Instituto de Psicologia Médica da Ludwig-Maximilian-University, em Munique, na Alemanha, ouviu 1.064 pessoas, em 2001, sobre o impacto das mudanças climáticas na saúde delas. Dos entrevistados, 19% declaram sentir "forte influência" do clima sobre a saúde, e 54,6% disseram perceber "algum tipo de relação entre o clima e a saúde". Considerando homens e mulheres separadamente, 28% das entrevistadas apontaram "forte influência" climática. Entre os homens, o número ficou em 9,6%.
Diante da variação climática, dor nas juntas foi uma queixa mencionada por 39,7% das pessoas, superada apenas por fadiga, letargia e dores de cabeça e enxaqueca. Entre aquelas com mais de 60 anos, a dor nas juntas figurava como a primeira queixa, relatada por 65,8%.

ARTRITE E ARTROSE
"O melhor previsor do tempo seria um doente reumático. Ele sente no corpo que o tempo vai virar, avisa e acerta", observa Evelin Goldenberg, doutora em reumatologia pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).


As queixas de dores ósseas podem estar relacionadas à constrição vascular; aplicações locais de calor podem proporcionar alívio


A artrose -processo de desgaste das articulações-, quadro que freqüentemente acomete idosos, é uma grande vilã nesta época do ano. A artista plástica Therezinha Mattos, 74, que tem artrose no quadril, conta que chega a ser despertada pelas dores nas madrugadas frias. "No calor, é mais suportável. Nas horas de crise, tomo analgésicos e uso regularmente uma fórmula para refazer as cartilagens. Vou fazer hidroginástica para buscar alívio", conta.
Quem tem artrite reumatóide também sofre mais. "Sinto muito com a mudança climática. É quando não dá para ficar sem remédios", afirma a dona-de-casa Edna Morandini.

FRATURAS
"Quando começa a esfriar, meus pacientes começam a voltar incomodados. Muitos que estavam sumidos aparecem no inverno", comenta o fisioterapeuta Angelo Roberto Gonçalves, professor do Centro Universitário São Camilo. Ele costuma recomendar sessões de fisioterapia e de hidroterapia para atenuar o desconforto de quem tem fraturas recentes ou antigas que se tornam doloridas com a mudança de estação.
O gerente de operações Alberto Pontes, fraturou a bacia em julho de 2005, mas sente até hoje. "É um inferno, incomoda muito. Durante a noite, chega a atrapalhar o sono. Evito tomar remédios porque os médicos dizem que isso é comum. Uso bolsas de água quente e tento ser paciente."
Paciência também é a receita do artista plástico Lourival Batista, que fraturou a mão no início deste ano. "Chego a perder um pouco os movimentos. Então tento mexer a mão, aquecer."
Sérgio Mainine, doutor em ortopedia pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e professor de ortopedia da Faculdade de Medicina do ABC, explica que as queixas de dores ósseas podem estar relacionadas à constrição vascular.
"A recuperação de uma fratura é um processo de cicatrização semelhante ao que ocorre na pele. No local em recuperação, há uma hipervascularização. Se a circulação diminui, o paciente sente", esclarece o especialista, que recomenda aplicações locais de calor para quem quer obter alívio.
"Na realidade, essas dores são temporárias. Há quem recorra a analgésicos e antiinflamatórios, mas as compressas quentes trazem ótimos resultados porque estimulam a irrigação e relaxam a musculatura", diz Mainine.

FIBROMIALGIA
"No calor, até fico bem. No inverno, as dores pioram, principalmente nas costas e na parte interna do joelho", relata a secretária Magda Ferreira, que tem fibromialgia. A doença provoca dores difusas oriundas de inflamações nos músculos e nos tendões.
No livro "Tudo sobre Fibromialgia" (ed. Imago, 317 págs, R$ 46), os autores Daniel J.Wallace e Janice Brock Wallace reforçam a tese de que o tempo frio piora os sintomas de quem tem a doença. "Quase todos os pacientes sentem que o clima influencia sua fibromialgia. Numa pesquisa, 66% dos pacientes com fibromialgia relataram que se sentiam afetados pelas mudanças de tempo; 78% preferiam tempo quente; 79% acreditavam que o tempo frio os fazia piorar, e 60% não gostavam da umidade", diz o texto.


Os sintomas da fibromialgia são agravados quando o tempo muda de quente para frio ou de seco para úmido


Ainda segundo os autores, os sintomas são agravados quando o tempo muda de quente para frio ou de seco para úmido. Cidades de clima constante, portanto, seriam as ideais para os portadores da doença.
O fisioterapeuta Angelo Roberto Gonçalves lembra que a manifestação dos sintomas da fibromialgia muitas vezes está associada a aspectos comportamentais e à depressão. "O frio gera melancolia e favorece essa dor", observa. E enfatiza que o exercício físico é indispensável nesta época do ano. "Principalmente os idosos evitam a atividade física nos períodos mais frios do ano. É a pior época para parar."
O aposentado Francisco Nunes Júnior, 82, no entanto, não foge dos exercícios no frio e diz ter se livrado da dor nas costas que o incomodava no passado. Ele descobriu a hidroterapia como tratamento e não largou mais os cuidados. "Agora não sinto mais dores, passo o inverno sem me queixar. Não abandono a terapia, estou sempre me tratando", conta.


Texto Anterior: ABC da hepatite
Próximo Texto: Dicas quentes
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.