São Paulo, quinta-feira, 18 de maio de 2006
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Comportamento

Em livro lançado no Brasil, psicóloga de Harvard aborda efeitos da propaganda infantil e defende sua total proibição

Consumismo mirim

FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL

Que o marketing de produtos infantis pode incentivar a obesidade, a violência e a sexualidade precoce é um alerta que já vem sendo feito há um tempo. Em geral, a solução proposta pelos especialistas é que as propagandas de "junk food", com conteúdo violento ou sexual sejam restritas para esse público. Mas a psicóloga Susan Linn, professora da Universidade Harvard (EUA), propõe uma solução mais radical: a proibição de toda a publicidade voltada para crianças.

"As empresas bombardeiam as crianças com mensagens que minam os esforços dos pais para protegê-las; elas buscam um vínculo de lealdade que vá "do berço ao túmulo'"
Susan Linn

Autora do livro "Crianças do Consumo" (Instituto Alana, 342 págs., R$ 39), recém-lançado no Brasil, Linn defende que valores como compra por impulso, narcisismo e lealdade sem questionamento às marcas, difundidos pelo marketing, não são benéficos para as crianças. "A manipulação das crianças objetivando o lucro não é boa para elas. E elas são mais suscetíveis do que os adultos por não terem a mesma capacidade de julgamento", afirmou a pesquisadora à Folha por e-mail.
 
Folha - Por que você defende o fim do marketing para crianças?
Susan Linn -
O marketing é responsável por problemas como obesidade, sexualidade precoce, estresse familiar e redução do brincar criativo. As crianças são o alvo dos publicitários para todo tipo de produto, de hambúrgueres a minivans. E isso não é bom para elas.

Folha - Proibir os anúncios com "junk food", violência e sexo não resolveria?
Linn -
Em meus estudos, cheguei à conclusão de que limitar a ação a alguns produtos não é suficiente. A manipulação das crianças objetivando o lucro não é boa para elas. E elas são mais suscetíveis do que os adultos, por não terem a mesma capacidade de julgamento.

Folha - Até qual idade elas são mais influenciáveis?
Linn -
Pesquisas comprovam que crianças em idade pré-escolar têm dificuldade em diferenciar comerciais de programas normais de TV. As mais velhas fazem a distinção, mas pensam concretamente e tendem a acreditar nos comerciais. Mesmo em adolescentes, o efeito é dramático. Afinal, a propaganda está direcionada às emoções, e não ao intelecto.

Folha - Para as empresas, o controle do que as crianças consomem é papel dos pais. Você discorda?
Linn -
As empresas bombardeiam as crianças com mensagens que minam os esforços dos pais para protegê-las. Elas buscam uma lealdade que vá "do berço ao túmulo". Os pais são responsáveis pelos filhos. Mas e a responsabilidade corporativa? Só nos EUA, as são investidos US$ 15 bilhões em marketing para crianças todo ano -150 vezes mais do que em 1983. Trabalham com psicólogos e artistas para minar a autoridade paterna e atingir as crianças com mensagens sofisticadas, criadas para incentivá-las a importunar seus pais.

Folha - A TV tem papel importante nessa questão?
Linn -
A obesidade infantil é um exemplo. A incidência da doença é maior entre as crianças que assistem à TV por quatro ou mais horas diariamente e menor entre as que assistem por uma hora ou menos. Entre os adolescentes, a incidência aumenta 2% para cada hora adicional de exposição à TV. Outra questão que merece atenção é a da sexualidade precoce. Um estudo da Fundação Kaiser Family mostrou que os programas mais populares entre os adolescentes nos EUA incluíam uma média de 6,7 cenas de sexo para cada hora televisada.

Folha - Que estratégias os publicitários usam para atingir as crianças?
Linn -
Para as menores, o método primário é o licenciamento de marcas [quando produtos trazem imagens de personagens da mídia]. Ações ligadas ao cinema são outra técnica. Nos EUA, o último filme "Star Wars" saiu com 24 promoções, de 16 marcas de "junk food".

Folha - Em que idade as crianças se tornam alvo da publicidade?
Linn -
Os profissionais de marketing dizem que bebês já demandam marcas tão logo começam a falar. Eles são atingidos pelo licenciamento de marcas e pela indústria de vídeos para bebês, que falsamente convence os pais de que esses programas são educativos.

Folha - Isso já chegou às escolas?
Linn -
Nos EUA, é um fenômeno crescente. As empresas criam materiais de ensino que são atraentes, mas promovem seus interesses velados. A indústria do petróleo tem materiais educativos sobre combustíveis fósseis, o McDonald's, sobre nutrição. Escolas deveriam ensinar as crianças a pensar criticamente, e o marketing é a antítese do pensamento crítico.

Folha - Como os pais podem reduzir o impacto da publicidade sobre os filhos?
Linn -
É muito difícil lutar contra uma indústria tão poderosa. Mas há coisas a fazer. Os pais podem tirar aparelhos de TV do quarto dos filhos, conversar com eles sobre os significados embutidos nos anúncios e preocupar-se com suas próprias atitudes em relação ao consumo, sendo um exemplo. Devemos manter as crianças longe da publicidade, lendo para elas, jogando cartas, cozinhando juntos. O site www.desligueatv.org.br, seção brasileira da TV-Turnoff Network, movimento de conscientização sobre o impacto do excesso de televisão na vida moderna, traz outras dicas.


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