São Paulo, quinta-feira, 18 de maio de 2006
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S.O.S. família

Rosely Sayão

Contra o que os jovens podem se rebelar?

Quem tem filhos adolescentes e leu a notícia sobre um acidente de carro ocorrido recentemente em que estavam cinco jovens de 14 a 15 anos -um deles ao volante- e em que três garotas morreram certamente imaginou o sofrimento e a dor que uma tragédia assim deve provocar nos familiares. Pois bem: já está na hora de pararmos de olhar para tais cenas como se assistíssemos a um filme de terror. Não podemos fechar os olhos quando há indícios de que o pior está para acontecer. É preciso reconhecer que estamos todos nessas cenas. E não só como espectadores: estamos envolvidos nelas até os ossos.


Os adultos não funcionam mais como alvo de confronto, já que quase não provocam restrições à vida dos jovens; foi o tédio que se tornou o inimigo


Sempre que uma tragédia que envolve jovens da classe média acontece surgem discursos oportunistas e moralizantes que repetem que os jovens não têm limites, não têm objetivo na vida, são "aborrescentes", sua rebeldia é vazia, não respeitam nada etc. Essa lengalenga precisa acabar. Basta de demonizar crianças e jovens. Em vez disso, talvez seja mais proveitoso lembrar o verso de uma música interpretada pela banda Legião Urbana: "Desde pequenos nós comemos lixo/ Comercial e Industrial/ Mas agora chegou nossa vez/ Vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês".
Os jovens de hoje, como os de todas as épocas, precisam lutar contra algo, porque é negando o que querem que eles sejam que eles começam a caminhar em direção a saber quem, de fato, são. Mas eles têm agora poucos motivos para lutar contra os adultos. Estes têm preferido ser companheiros legais, confidentes, defensores da liberdade que eles deveriam desfrutar, bravos guerreiros contra o desprazer que, porventura, pudesse atrapalhar a vida dos jovens; têm compartilhado com eles estilos de vida e anseios. Não funcionam mais como alvo de confronto, já que quase não provocam restrições à vida dos jovens. Foi o tédio que se tornou o inimigo mortal, é contra ele que precisam lutar.
Fomos nós, adultos, que instalamos o tédio na vida dos jovens. Tudo eles têm e não precisam se esforçar para conseguir o que -julgam- desejam ter. São prisioneiros da ideologia de consumo, peça tão importante no mundo contemporâneo. Além disso, fazem o que acreditam que gostam e devem fazer nessa etapa da vida. Aí incluem-se festas, sexo, consumo, drogas e farras. Na verdade, eles não têm escolha.
É com profundo desprezo que olham para as normas da vida social e é com desdém que tratam os outros. Querem ser independentes. Mas tudo o que conseguem é serem pessoas desgarradas de qualquer grupo. Nem o que chamam de grupo pode ser considerado como tal. Trata-se mais de um agrupamento de jovens que giram em torno de interesses oportunistas e temporariamente comuns.
Contra o tédio resultante de uma existência tão vazia eles lançam a ousadia, a impulsividade e a bravura que, potencialmente, têm. Por isso os esportes radicais -tanto os lícitos e formais quanto os ilícitos e informais- fazem tanto sucesso entre eles. É a morte que eles desafiam porque esta parece ser a única autoridade que pode lhes restringir a vida. Parece que é apenas nessas práticas que eles conseguem vislumbrar alguma possibilidade de realizar feitos heróicos. Em nenhuma outra atividade da vida que levam se exige que ele expressem coragem, tenacidade, perseverança, dedicação e concentração, por exemplo. Os adultos responsáveis por eles não querem exigir quase nada. Apenas que passem no vestibular. E isso tem tão pouca importância para uma vida... E nós, adultos, temos assistido quase impassíveis à situação de vida que eles experimentam atualmente. Uma vez ou outra nos comovemos, nos indignamos. Mas a reação pára por aí. Não conseguimos, ainda, assumir que a infância e a juventude são questões que dizem respeito a todos nós, e não só aos pais e aos professores. Não demos conta, ainda, de tornar essa uma questão coletiva, de interesse comum.
Cenas trágicas como a do acidente referido devem servir para colocarmos esse debate em dia. Afinal, o que temos feito pelos jovens além de deixá-los abandonados com seus próprios recursos e vivermos como se fôssemos nós os adolescentes?

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
@ - roselysayao@folhasp.com.br



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