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São Paulo, quinta-feira, 18 de setembro de 2003
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drible a neura

Perfeccionista quer se diferenciar dos outros

KATIA DEUTNER
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Eles ouvem conselhos como "Relaxe, não se cobre tanto!", mas nem prestam atenção e seguem em frente, com uma disposição que parece implacável. Corrigem, refazem e acertam detalhes até que qualquer trabalho ou tarefa sob sua responsabilidade esteja impecável e exatamente do modo por eles idealizado. Muitas vezes considerados chatos e implicantes, os perfeccionistas são pessoas extremamente exigentes consigo mesmas e com os outros. A estudante Juliana Inhasz, 20, enquadra-se nessa categoria. Parentes e amigos sempre pedem para ela parar de se preocupar em ser perfeita. "Todo mundo fala que eu me cobro muito, principalmente nos trabalhos da faculdade. Para mim, isso é natural, sempre fui assim e quero fazer o melhor", diz ela. O que pode parecer excessivo para alguns pode ser apenas um traço de personalidade, uma forma de ser e de agir. "Muitas vezes, ser organizado e meticuloso é uma forma comportamental de fazer as tarefas, uma estratégia de organização", explica o psicólogo José Roberto Leite, coordenador da unidade de Medicina Comportamental do Departamento de Psicobiologia da Unifesp.

Bem-feito
Ser caprichoso, mi- nucioso e persistente é, para os perfeccionistas, um meio de traçar metas, atingir objetivos e superá-los. Ou seja, pode ser uma grande vantagem. "O lado positivo compensa o esforço e o tempo gasto. Hoje, estou cursando a faculdade que escolhi", diz Inhasz, que faz economia na USP. O perfeccionista, portanto, deve aprender a lidar com isso a seu favor. "Depende da capacidade individual de manipular e lidar com o desejo de perfeição", diz o psiquiatra Marcos Mercadante, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (SP). Para quem assiste à peça "Arlequim, Servidor de Dois Patrões", o perfeccionismo do ator e produtor teatral Marcos Breda, 42, é bem-vindo. "Já fizemos mais de 160 apresentações da peça e, todos os dias, mexo em um detalhe que ainda precisa ser modificado. Repito milhares de vezes até achar que está bom", diz ele. Os perfeccionistas geralmente são bastante organizados e estabelecem padrões elevados para si mesmos, pois a possibilidade de errar os apavora. "Eu não aceito falha da minha parte", reconhece a secretária Vera Lazzarini, 36. Muito exigente consigo, com o marido e com a filha, ela não relaxa nem em casa. "Sofro muito quando as coisas não são do jeito que eu quero, da maneira que eu acho que deve ser." Quem mais reclama dessa mania de perfeição é sua filha, Giovana, de oito anos. "Ela sempre fala: "Mãe, isso cansa. Por que tudo tem de ser do seu jeito?'", afirma Lazzarini. Segundo Mercadante, ser tão exigente é um traço de personalidade de quem precisa fazer e refazer tudo para se sentir bem. A psicanálise considera o perfeccionista como um indivíduo rígido que não se conforma em ser apenas um no meio da multidão.

Luta interna
"Essa é uma ba- talha contra você mesmo, o que influencia é a sua própria opinião. Enquanto eu mesmo não me convenço, não adianta ninguém dizer que um programa de computador que estou fazendo está bom, por exemplo", afirma o analista de sistemas José Carlos da Silveira Mello, 37, que diz não ser tão crítico com a família. "Em casa, eu me solto mais e não cobro tanto das pessoas e de mim."
Crescer em uma casa onde a busca pela perfeição é um comportamento corriqueiro pode fazer com que uma criança também se torne perfeccionista. Ela aprende que o certo é se comportar de uma maneira exigente, explica Mercadante. "A criança observa o pai ou a mãe muito críticos e se comporta de maneira igual, copiando o modelo familiar", afirma a psicóloga Maly Delitti, professora da PUC-SP.
Porém há casos em que o perfeccionismo deixa de ser uma característica e transforma-se numa doença (leia mais na pág. ao lado). Sem chegar a esse extremo, há também os perfeccionistas que percebem que estão passando dos limites, gerando estresse desnecessário para eles mesmos e para os outros. Para esses, os especialistas recomendam terapia comportamental. "Meditação e acupuntura também ajudam a aliviar a tensão", diz Leite.


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