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São Paulo, quinta-feira, 18 de setembro de 2003
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foco nela

Dança-terapia ajuda de surdos a estressados

KATIA CALSAVARA
DA REPORTAGEM LOCAL

"Estou feliz por ter apenas 81 anos e tanta coisa para fazer", diz a bailarina, coreógrafa, educadora e professora de dança-terapia María Fux. Precursora da dança moderna na Argentina, Fux desenvolveu um método em que usa a linguagem não-verbal para dar estímulos a quem costuma dizer "eu não consigo".
Pessoas surdas, com síndrome de Down, com problemas de auto-estima, com paralisia ou com estresse procuram seus cursos em todo o mundo. Seus estímulos fazem "despertar" partes do corpo que se encontravam esquecidas.
Devido ao sucesso de sua última apresentação em São Paulo, em maio deste ano, Fux retorna à cidade para fazer um workshop. Leia a entrevista abaixo.
 

Folha - O que é dança-terapia?
María Fux -
A dança-terapia é um encontro com o corpo, não por meio de uma ginástica, e sim pelo próprio conhecimento do corpo. Tanta gente diz "não posso fazer isso, não posso fazer aquilo", ou porque está gorda ou porque tem conflitos ou problemas físicos. A dança-terapia estimula o corpo a sentir a música, a palavra, a cor e a trabalhar com o ritmo. Eu tento fazer as pessoas se aceitarem como são e encontrarem possibilidades relacionadas ao seu ritmo interno.

Folha - Como criou a dança-terapia?
Fux -
Eu me interessava em trabalhar com o silêncio, com ritmos não-audíveis. Foi quando encontrei uma menina surda e me dei conta de que poderia ensiná-la a dançar. Eu tinha consciência de que, para nos movimentarmos, o ritmo não precisa ser necessariamente audível.

Folha - E como foi esse encontro?
Fux -
A menina tinha quatro anos e era filha de uma amiga minha. Começamos a nos comunicar. Eu a estimulava com desenhos e pinturas, e nós nos comunicávamos com o auxílio de imagens. Primeiro eu a ensinei a se expressar e depois a coloquei para fazer parte de outros grupos.

Folha - A senhora estudou com Martha Graham (1894-1991), bailarina que introduziu os movimentos de contração, expansão e torção na dança moderna. Como foi essa experiência?
Fux -
Eu buscava um mestre. Foi difícil fazer com que ela me atendesse porque era muito ocupada. Com a ajuda de um assessor, consegui agendar 15 minutos para apresentar alguns de meus trabalhos. Fiquei com Martha durante uma hora, e ela me disse uma coisa muito importante: "Você não precisa buscar mestres fora, você já os têm dentro do seu corpo". A partir daí, segui com minha experiência para estimular a todos, tanto surdos como pessoas com problemas emocionais, com síndrome de Down e gente como a gente, pois somos todos limitados. É importante estimular as áreas "dormidas" do corpo.

Folha - Como assim?
Fux -
Eu estimulo as pessoas com músicas, palavras, por meio da cor, da linha, da forma e mostro possibilidades de despertar partes do corpo que quase não se movimentam. Se uma pessoa vive em cadeira de rodas, ela não vai sair caminhando, claro, mas vai aprender a dançar com seus braços e suas mãos. Mas há algo mais importante, que é a criatividade, que está em todos. Nós a perdemos quando crescemos, por meio de uma educação que diz "isso pode, isso não pode". As crianças são criadoras. Temos de nos tornar adultos sabendo que podemos criar com o corpo, aquele que temos, e não o corpo unicamente bonitinho.

Folha - Em sua opinião, por que as pessoas têm dificuldade de se comunicar por meio do corpo?
Fux -
Porque elas têm medo. Elas vivem dizendo "não posso, não consigo". Nós, à medida que crescemos, temos mais medo do corpo. Isso impede que nos expressemos bem com ele. Eu busco estimular o que está parado. A dança-terapia é isso, é perder o medo de se expressar.

Folha - Como é ser acompanhada pelo silêncio, no caso das coreografias em que a senhora não usa música?
Fux -
É maravilhoso. Quando fazemos amor, há música ou silêncio? É a mesma coisa.

Folha - Como trabalha com grupos tão distintos, como pessoas com síndrome de Down ou com estresse?
Fux -
Todos temos limites. Cada um trabalha de acordo com suas possibilidades. O mais importante de tudo o que venho fazer no Brasil é formar pessoas para trabalhar com a minha metodologia.

Folha - Há muita procura pelo workshop?
Fux -
Sim, em todos os lugares do mundo há muita procura. Estou contente por ter tanta coisa para fazer aos 81 anos.

Folha - A senhora viu alguma cura realizar-se por meio da dança-terapia?
Fux -
Não costumo falar em enfermidade ou em cura. Esse não é meu vocabulário. Digo que as pessoas mudam para melhor, isso é seguro.

Folha - E a senhora nota melhoras em praticantes da dança-terapia?
Fux -
Sim, em muita gente, especialmente em surdos e em pessoas com síndrome de Down. Pelo movimento, eles mudam seu estado emocional. Cada um tem seu tempo, e nunca estou apressada.

Folha - Como se sente aos 81 anos?
Fux -
Não me sinto cansada porque tenho muito a fazer pelos outros. Quando eu durmo, durmo; quando como, como; quando danço, danço. E durmo bem, e como bem, e isso me faz bem.


O workshop Dança-terapia e Criatividade com o Movimento começa amanhã (19/9) e termina no domingo, no Santuário Ten Tao (al. dos Guatás, 524, Planalto Paulista). Informações pelo telefone 0/xx/11/5011-9526.


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