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SAÚDE
O barato da sálvia
Consumo da erva como alucinógeno por jovens pode prejudicar as pesquisas para uso medicinal
KEVIN SACK
BRENT MCDONALD
DO "NEW YORK TIMES"
Enquanto um amigo
gravava em vídeo,
Christopher Lenzini,
27, de Dallas, tomou
uma dose de Salvia divinorum,
considerada a mais poderosa
erva alucinógena do mundo, e
começou a imaginar que estava
em um barco com pequenos
homens verdes. E não demorou a cair, às gargalhadas.
Quando ele postou o vídeo no
YouTube, algumas semanas
atrás, foi visto várias vezes.
Há uma década, o uso de sálvia estava limitado a pessoas
que buscavam revelações com
xamãs em Oaxaca, no México.
Hoje, esse membro alucinógeno da família da hortelã está
legalmente disponível, nos
EUA, pela internet e em lojas
de produtos naturais, e se tornou uma espécie de fenômeno
entre os jovens. Mais de 5.000
vídeos no YouTube documentam as jornadas dos usuários à
incoerência e à perda da coordenação motora. Alguns já foram vistos 500 mil vezes.
No entanto, as imagens que
ajudaram a popularizar a sálvia
podem acelerar a proibição de
sua venda legal e solapar pesquisas promissoras sobre seus
potenciais usos medicinais.
Os farmacologistas que acreditam que a sálvia poderia abrir
novas fronteiras no tratamento
de vícios, depressão e dor temem que, caso seu uso seja criminalizado, obter e armazenar
a planta se tornaria difícil, assim como conseguir permissão
para testá-la em humanos.
Em vários Estados, os vídeos
se tornaram a principal prova
para a regulamentação da sálvia. A Flórida, por exemplo,
tornou crime passível de até 15
anos de prisão a posse ou venda
da erva. Na Califórnia, a venda
a menores virou um delito.
Segundo dados do governo
federal norte-americano, cerca
de 1,8 milhão de pessoas já experimentaram a sálvia -sendo
que 750 mil delas provaram a
erva nos últimos 12 meses. Entre os homens de 18 a 25 anos, o
consumo foi relatado por 3%, o
que a torna duas vezes mais
utilizada que o LSD e quase tão
popular quanto o ectsasy.
Pesquisas iniciais
Ainda que as pesquisas estejam apenas começando e pouco
se conheça sobre os efeitos de
longo prazo do uso, não há estudos sugerindo que o uso da
sálvia cause vício ou que seus
usuários sejam propensos a
overdoses. Na verdade, a experiência com a sálvia pode ser
tão intensa -e tão perturbadora- que muitas pessoas só
usam a erva uma vez, e até os
usuários mais dedicados controlam a freqüência de uso.
Não existem relatos sobre situações em que o uso da sálvia
tenha levado alguém a recorrer
a um pronto-socorro, em larga
medida porque os efeitos da erva em geral desaparecem depois de alguns minutos.
Com poucos dados, a DEA
(agência de combate às drogas
dos EUA) dedicou mais de uma
década a estudar se acrescentará ou não a sálvia à sua lista de
substâncias controladas, como
já fizeram diversos países asiáticos e europeus.
Conhecida nas ruas como
"Sally D" e "magic mint", a sálvia pode ter efeitos muito diferentes dependendo da dosagem, da potência e da tolerância dos usuários, de acordo com
pesquisadores e pessoas acostumadas a fumá-la (ainda que
amarga, ela também pode ser
mastigada ou bebida). Dezenas
de fornecedores online vendem extratos amenos por preços a partir de US$ 5 por grama;
as versões mais fortes, com potência até cem vezes maior do
que a da folha não processada,
são vendidas por mais de US$
50 o grama.
Os usuários apresentam súbita dissociação de personalidade, como se viajassem no
tempo. A experiência tende a
ser solitária, introspectiva e
ocasionalmente assustadora.
"Já usei diversas substâncias
psicodélicas, e a sálvia definitivamente é a mais intensa experiência que tive", conta Brian
Arthur, fundador da Mazatec
Garden, que vende sálvia e outras ervas pela internet. "A sálvia nos tira do mundo e nos coloca em um lugar diferente."
Uso contemplativo
Os usuários regulares da Salvia divinorum afirmam que ela
pode ter efeito restaurador e
até mesmo tônico espiritualmente, e se recordam com exatidão de suas visões.
As pessoas que defendem o
uso contemplativo da sálvia
desdenham de quem posta vídeos engraçadinhos sobre o
efeito da erva no YouTube, por
seu desrespeito ao poder e ao
propósito da sálvia.
"Eles realmente não a estão
usando como ferramenta para
explorar sua psique", diz o californiano Daniel Siebert, que foi
um dos pioneiros na produção
de extratos de sálvia. "Essas
pessoas só gostam de usar a sálvia porque dá barato."
As leis de restrição à venda e
ao uso da sálvia podem representar obstáculo considerável
para pesquisadores em instituições como as universidades
Harvard e do Kansas, que estão
convictos de que a salvinorina
A, o componente ativo da erva,
é bastante promissor e pode
ajudar no desenvolvimento de
novas linhas de medicamentos
psiquiátricos e analgésicos.
Em 2002, o médico Bryan
Roth, hoje na Universidade da
Carolina do Norte, descobriu
que a salvinorina A estimula
apenas um receptor no cérebro
-o receptor de opiáceas kappa-, o que a torna uma substância única. O LSD, por exemplo, estimula cerca de 50 receptores. Segundo Roth, a salvinorina A representa o mais poderoso alucinógeno, em termos
de concentração, que pode ser
encontrado na natureza.
Depressão e Alzheimer
Ainda que os efeitos debilitantes da salvinorina A tornem
improvável que ela seja considerada um agente farmacêutico, sua química poderia permitir a descoberta de derivados
valiosos. "Se conseguirmos encontrar um medicamento que
bloqueie os efeitos da sálvia, há
boas provas de que isso poderia
ser usado no tratamento de distúrbios cerebrais, como depressão, esquizofrenia e Alzheimer, e até do HIV", diz.
Muitos cientistas acreditam
que o consumo da sálvia deva
ser regulamentado, como acontece com o álcool ou o tabaco, e
se preocupam que criminalizar
o uso possa bloquear suas pesquisas antes que dêem frutos.
"Temos esse novo e incrível
composto, o primeiro em sua
classe. É evidente que ele tem
potencial medicinal, e estamos
falando de sufocar seu uso porque algumas pessoas se embriagam com ele", afirma o farmacologista John Mendelson,
do California Pacific Medical
Center Research Institute, que
vem estudando o efeito da sálvia em seres humanos.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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