São Paulo, quinta-feira, 18 de dezembro de 2008
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NEUROCIÊNCIA

Suzana Herculano-Houzel

Com febre, jogada no sofá


[...] No que tange à nossa temperatura, o hipotálamo age como um termostato de ar-condicionado: ele monitora a temperatura do sangue e a compara a um ponto de referência interno, que depende da atividade de neurônios do próprio hipotálamo

Duas semanas atrás, meu hipotálamo me mandou de volta à cama -e agora repete a dose, após dois dias de gravação para a TV em um estúdio gelado combinados a três apresentações seguidas de dança. Abro mão do cinema de domingo, volto para casa -e me jogo no sofá, com febre.
A febre, além da letargia e da falta de motivação, é mais uma das estratégias do hipotálamo para promover a recuperação do corpo. Já que vários vírus e bactérias têm dificuldades para se reproduzir a temperaturas acima de 37ºC, o aumento na temperatura interna do corpo o ajuda a combater a maior parte das infecções. E um truque esperto permite ao hipotálamo saber quando deve causar febre: ele detecta as próprias interleucinas produzidas pelo sistema imunitário como parte da resposta à infecção e, acionado por elas, aumenta o ponto de ajuste da temperatura corporal.
No que tange à nossa temperatura, o hipotálamo age como um termostato de ar-condicionado: ele monitora constantemente a temperatura do sangue e a compara com um ponto de referência interno, que depende da atividade de neurônios do próprio hipotálamo. Quando a temperatura do sangue sobe (por exemplo, porque você começa a dançar) e fica acima do ponto de ajuste, o hipotálamo aciona mecanismos de perda de calor corporal, como o suor, que evapora com o calor da pele. Se a temperatura interna, ao contrário, desce (porque você está em um estúdio gelado) e cai abaixo do ponto de ajuste, mecanismos de produção de calor são acionados; o metabolismo sobe, e você pode tremer.
Mas se interleucinas fazem o ponto de ajuste de temperatura do hipotálamo subir -por exe mplo, para 39ºC -, os 37ºC atuais do corpo passam a ser considerados insuficientes. Resultado: aquela sensação desconfortável de frio que dura até o hipotálamo conseguir fazer o sangue chegar aos 39ºC necessários. Aí chegando, ficamos com a pele ardendo até o corpo se livrar do invasor -ou tomarmos um antipirético-, o que traz o ponto de ajuste do hipotálamo de volta aos 37ºC originais. Estar a 39ºC subitamente volta a ser excessivo e, com isso, vem o suadouro, que faz a temperatura voltar ao normal. Chutar a coberta, nessa hora, é um alívio só.


SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora do livro "Fique de Bem com o Seu Cérebro" (ed. Sextante) e do site "O Cérebro Nosso de Cada Dia" (www.cerebronosso.bio.br)

suzana.herculano-houzel@grupofolha.com.br


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