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Há quantas andam suas amizades?
Filósofos e psicanalistas apostam que o amigo voltará a
ocupar um papel de destaque na sociedade deste século
Vania Delpolo/Folha Imagem
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Raul Bromberg (esq.) e Paulino Waisenburger se conheceram na faculdade há 37 anos e são melhores amigos desde então |
DANIELA FALCÃO - EDITORA-ASSISTENTE DO EQUILÍBRIO
Ela já foi considerada a mais importante virtude da sociedade, mas andou meio em baixa, sobretudo no século passado. Agora, há cada vez
mais especialistas em comportamento -de filósofos a psicanalistas-
apostando que a amizade vai ser a mola mestra das transformações do século 21 e arma poderosa na busca por formas de convivência que substituam o
esgotado modelo ego-narcisístico, em que o "cada um por si" dá o tom.
"Os tempos atuais podem não ser favoráveis à amizade, mas ela está sendo revalorizada porque nós precisamos de um
saber novo, e o saber do amigo é eminentemente moderno. Ele pode ensinar a
conter a violência e conquistar a paz, porque o amigo é o pacifista de que os tempos de hoje precisam" , afirma a psicanalista Betty Millan, autora de "O Clarão - O
Romance do Amigo" (Cultura Editores),
livro inspirado na vida do publicitário
mineiro Carlito Maia, que será lançado
no fim de abril.
Filósofos como o alemão Ulrich Beck e
o francês Jacques Derrida pensam de forma semelhante à de Milan e apostam no
surgimento de novas formas de sociabilidade baseadas na amizade, hospitalidade
e cortesia. Para o analista de tendências
alemão Matthias Horx, do Instituto do
Futuro, a amizade vai reconquistar terreno porque a cultura ego-narcisística está
em crise, e cada vez mais gente percebe
que a preocupação exclusiva com interesses individuais não satisfaz.
"O século 21 está produzindo uma cultura de "network" social, que combina liberdade individual com laços voluntários. Amizade, honestidade e tolerância
voltarão a ficar em alta. O trabalho voluntário crescerá como forma de autodescobrimento e também aumentará a disponibilidade para o próximo", analisa Horx
no boletim mensal do Instituto do Futuro, que examina tendências de comportamento e consumo.
Não é difícil entender por que o valor
dado à amizade tende a aumentar. Nos
últimos 30 anos, o mundo ocidental passou por transformações que resultaram
em uma sociedade de desgarrados, fruto
do aumento no número de divórcios, dos
casamentos cada vez mais tardios e da redução no tamanho médio das famílias.
"Estamos entrando na segunda fase do
individualismo, que chamo de individualismo social. As pessoas estão em
busca de identidade e de sentido para viver, pois a fragmentação excessiva da sociedade as deixou sem rumo", diz Horx.
Mas nem todos têm a visão otimista de
Horx, Milan ou Derrida. Competição,
precariedade nos relacionamentos e falta
de tempo são apontadas como principais
"inimigas" da amizade. "O ego-narcisismo prega a sobrevivência a qualquer custo e faz as pessoas se afastarem uma das
outras. Tudo é provisório, as amizades
são substituídas com muita velocidade.
Essa multiplicidade de relacionamentos
provoca uma dispersão do afeto e dificulta a formação de amizades verdadeiras",
critica o filósofo e professor da PUC-SP
Mario Sergio Cortella.
"Valores neoliberais, como competição
e sucesso a todo custo, inviabilizam a
amizade porque não há mais espaço para
confiança e lealdade. Há focos de resistência, mas eles são isolados", diz Olgária
Matos, professora de filosofia da USP.
Quem acredita que a amizade reconquistará o espaço perdido no século passado
diz que a a internet terá papel fundamental nessa revalorização porque permitirá
a comunicação entre os "focos de resistência". "A internet vai facilitar e fortificar as novas formas de organização,
montando "network" entre pessoas com
interesses comuns", defende Horx. Milan
também acha que, em vez de ameaçar, a
comunicação on-line será uma aliada das
relações de amizade. "Tudo o que o amigo deve fazer pelo outro pode ser realizado pela internet: iluminar, proteger, contentar, consolar", diz Betty Milan.
Descobrir o que faz duas pessoas se tornarem amigas intriga filósofos e especialistas em comportamento desde a Antiguidade. Para o grego Empédocles (490-435 a.C.), "o semelhante busca o semelhante". Heráclito (567-480 a.C.) tinha
opinião oposta: para ele, eram os contrários que andavam juntos.
Aristóteles (384-322 a.C.) foi o primeiro
a dizer que não havia um tipo único de
amizade. Segunde ele, havia três motivos
para as pessoas se tornarem amigas: a
utilidade, o prazer e a bondade. A amizade baseada na utilidade ou no prazer, segundo ele, tem caráter temporário porque a utilidade e os prazeres mudam com
o tempo. Mudando as paixões, mudam-se os amigos. Já a amizade baseada na
bondade dura para sempre porque os
amigos se querem pela natureza própria
dos amigos, não por utilidade ou prazer.
Segundo Aristóteles, esse tipo de amizade (que ele chamou de "perfeita") é rara e
só acontece com tempo e intimidade.
"O amigo perfeito não mede a importância da relação pelo número de telefonemas trocados nem pelas saídas nas
noites de sábado", diz a italiana Violetta
Frasnedi, 28, que há 15 anos tem entre
suas melhores amigas a brasileira Isabela
Costa (leia na pág. 11)
"Amigo a gente escolhe, parente não."
O funcionário público Paulino Waisenburger, 58, recorre sempre a essa frase
para justificar por que considera a amizade uma das coisas mais importantes da
vida. Mas não sabe dizer com precisão
por que escolheu, há 37 anos, o consultou
Raul Bromberg para ser seu melhor amigo. "Gostávamos do mesmo tipo de música, mas eu adoro cinema, e ele não."
Para Betty Milan, é consenso entre os
pensadores que o que une os amigos não
são os interesses, embora eles possam vir
a ter interesses comuns. "Os verdadeiros
amigos são assim, o amor deles nunca é
de agora, como disse o Carlito Maia, que
me inspirou a escrever "O Clarão"."
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