São Paulo, quinta-feira, 19 de abril de 2001
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Há quantas andam suas amizades?

Filósofos e psicanalistas apostam que o amigo voltará a ocupar um papel de destaque na sociedade deste século

Vania Delpolo/Folha Imagem
Raul Bromberg (esq.) e Paulino Waisenburger se conheceram na faculdade há 37 anos e são melhores amigos desde então




DANIELA FALCÃO - EDITORA-ASSISTENTE DO EQUILÍBRIO

Ela já foi considerada a mais importante virtude da sociedade, mas andou meio em baixa, sobretudo no século passado. Agora, há cada vez mais especialistas em comportamento -de filósofos a psicanalistas- apostando que a amizade vai ser a mola mestra das transformações do século 21 e arma poderosa na busca por formas de convivência que substituam o esgotado modelo ego-narcisístico, em que o "cada um por si" dá o tom.
"Os tempos atuais podem não ser favoráveis à amizade, mas ela está sendo revalorizada porque nós precisamos de um saber novo, e o saber do amigo é eminentemente moderno. Ele pode ensinar a conter a violência e conquistar a paz, porque o amigo é o pacifista de que os tempos de hoje precisam" , afirma a psicanalista Betty Millan, autora de "O Clarão - O Romance do Amigo" (Cultura Editores), livro inspirado na vida do publicitário mineiro Carlito Maia, que será lançado no fim de abril.
Filósofos como o alemão Ulrich Beck e o francês Jacques Derrida pensam de forma semelhante à de Milan e apostam no surgimento de novas formas de sociabilidade baseadas na amizade, hospitalidade e cortesia. Para o analista de tendências alemão Matthias Horx, do Instituto do Futuro, a amizade vai reconquistar terreno porque a cultura ego-narcisística está em crise, e cada vez mais gente percebe que a preocupação exclusiva com interesses individuais não satisfaz.
"O século 21 está produzindo uma cultura de "network" social, que combina liberdade individual com laços voluntários. Amizade, honestidade e tolerância voltarão a ficar em alta. O trabalho voluntário crescerá como forma de autodescobrimento e também aumentará a disponibilidade para o próximo", analisa Horx no boletim mensal do Instituto do Futuro, que examina tendências de comportamento e consumo.
Não é difícil entender por que o valor dado à amizade tende a aumentar. Nos últimos 30 anos, o mundo ocidental passou por transformações que resultaram em uma sociedade de desgarrados, fruto do aumento no número de divórcios, dos casamentos cada vez mais tardios e da redução no tamanho médio das famílias. "Estamos entrando na segunda fase do individualismo, que chamo de individualismo social. As pessoas estão em busca de identidade e de sentido para viver, pois a fragmentação excessiva da sociedade as deixou sem rumo", diz Horx.
Mas nem todos têm a visão otimista de Horx, Milan ou Derrida. Competição, precariedade nos relacionamentos e falta de tempo são apontadas como principais "inimigas" da amizade. "O ego-narcisismo prega a sobrevivência a qualquer custo e faz as pessoas se afastarem uma das outras. Tudo é provisório, as amizades são substituídas com muita velocidade. Essa multiplicidade de relacionamentos provoca uma dispersão do afeto e dificulta a formação de amizades verdadeiras", critica o filósofo e professor da PUC-SP Mario Sergio Cortella.
"Valores neoliberais, como competição e sucesso a todo custo, inviabilizam a amizade porque não há mais espaço para confiança e lealdade. Há focos de resistência, mas eles são isolados", diz Olgária Matos, professora de filosofia da USP. Quem acredita que a amizade reconquistará o espaço perdido no século passado diz que a a internet terá papel fundamental nessa revalorização porque permitirá a comunicação entre os "focos de resistência". "A internet vai facilitar e fortificar as novas formas de organização, montando "network" entre pessoas com interesses comuns", defende Horx. Milan também acha que, em vez de ameaçar, a comunicação on-line será uma aliada das relações de amizade. "Tudo o que o amigo deve fazer pelo outro pode ser realizado pela internet: iluminar, proteger, contentar, consolar", diz Betty Milan.
Descobrir o que faz duas pessoas se tornarem amigas intriga filósofos e especialistas em comportamento desde a Antiguidade. Para o grego Empédocles (490-435 a.C.), "o semelhante busca o semelhante". Heráclito (567-480 a.C.) tinha opinião oposta: para ele, eram os contrários que andavam juntos.
Aristóteles (384-322 a.C.) foi o primeiro a dizer que não havia um tipo único de amizade. Segunde ele, havia três motivos para as pessoas se tornarem amigas: a utilidade, o prazer e a bondade. A amizade baseada na utilidade ou no prazer, segundo ele, tem caráter temporário porque a utilidade e os prazeres mudam com o tempo. Mudando as paixões, mudam-se os amigos. Já a amizade baseada na bondade dura para sempre porque os amigos se querem pela natureza própria dos amigos, não por utilidade ou prazer. Segundo Aristóteles, esse tipo de amizade (que ele chamou de "perfeita") é rara e só acontece com tempo e intimidade.
"O amigo perfeito não mede a importância da relação pelo número de telefonemas trocados nem pelas saídas nas noites de sábado", diz a italiana Violetta Frasnedi, 28, que há 15 anos tem entre suas melhores amigas a brasileira Isabela Costa (leia na pág. 11)
"Amigo a gente escolhe, parente não." O funcionário público Paulino Waisenburger, 58, recorre sempre a essa frase para justificar por que considera a amizade uma das coisas mais importantes da vida. Mas não sabe dizer com precisão por que escolheu, há 37 anos, o consultou Raul Bromberg para ser seu melhor amigo. "Gostávamos do mesmo tipo de música, mas eu adoro cinema, e ele não."
Para Betty Milan, é consenso entre os pensadores que o que une os amigos não são os interesses, embora eles possam vir a ter interesses comuns. "Os verdadeiros amigos são assim, o amor deles nunca é de agora, como disse o Carlito Maia, que me inspirou a escrever "O Clarão"."


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