São Paulo, terça-feira, 19 de abril de 2011
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ROSELY SAYÃO

o espetáculo da gravidez


Muitas mulheres celebram esse período com festas. Outras preferem ter sossego. Qual é o problema?


UMA JOVEM que está grávida há poucos meses fez uma reclamação veemente a respeito da situação que está vivendo. Ela diz que tem passado fisicamente muito mal desde o segundo mês da gestação: enjoos diários e vômitos frequentes que a deixam mal-humorada, irritada e com vontade de ficar sozinha em casa.
O problema maior, contou ela, é a reação que isso tem provocado nos outros. Todo tipo de interpretação ela já teve de ouvir de parentes, amigos e até de conhecidos.
Ouviu insinuações de que pode estar rejeitando o filho que irá nascer, de que não será boa mãe, que o tempo da gravidez é o melhor momento da vida de uma mulher e que ela não está curtindo etc.
Como se não bastasse tudo isso -o mal-estar da gravidez e o provocado pelos comentários dos outros- , ainda tem de ouvir conselhos de todo tipo, desde qual o melhor profissional a ser contratado para documentar em vídeo as consultas mensais até o parto, as melhores lembrancinhas para distribuir para as visitas no hospital, dicas de festas performáticas para dar durante a gravidez, indicação de fotógrafos profissionais para registrar o desenvolvimento da barriga e muito mais. Até teve de recusar a oferta de uma amiga para comprar um aparelho de ultrassom doméstico!
Ela disse que nem sabia que isso existia e que gostaria de passar esses maus e bons momentos em paz e tranquila, o que não está conseguindo. Eu também não imaginava que havíamos chegado a esse ponto na chamada sociedade do espetáculo. São questões que merecem nossa reflexão, não é verdade?
Primeiramente, é bom saber que tudo isso tem muito mais a ver com o consumismo a que nos entregamos passivamente do que com a gravidez em si e seus significados.
Nada, absolutamente nada do que foi citado e que tem sido prática comum entre nós tem relação direta com a maternidade. Sim: para muitas mulheres, o período da gravidez é tempo de festejar e celebrar. Mas isso pode muito bem ser feito de diferentes maneiras.
Muitas mulheres celebram a espera do filho com discrição. Qual o problema?
Parece que o problema é que quem não consome não existe. Portanto, quem não compra a ideia de que a gravidez deve ser um espetáculo a ser exibido com felicidade escancarada nega seu estado e todas as suas consequências. Isso não é verdade.
Ansiedade, medo, angústia, expectativa do desconhecido e insegurança, por exemplo, são estados que se fazem presentes na gravidez. Será que eles ainda têm lugar para existir em meio a tantas providências e acontecimentos, ou será que tudo isso não é armado justamente para que sejam escamoteados?
Quem tem filhos sabe: a tarefa não é fácil. Trabalho árduo sem descanso, complexo, sem receita tampouco garantia. Será que a gravidez como espetáculo não promove a ideia de que, chegado o filho, o show continua?
Cada vez com mais frequência tenho ouvido mães e pais dizerem que não sabem mais o que fazer para educar o filho e que por isso não fazem mais nada. Com muita regularidade, temos visto crianças pequenas com seus pais em locais e horários próprios apenas para adultos.
A realização do espetáculo da gravidez não parece ter relação direta com a disponibilidade para com os filhos que chegam, enfim.
Fica a pergunta: o que temos promovido com o tratamento que temos dado ao período da gravidez?

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)


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