São Paulo, quinta-feira, 19 de junho de 2008
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NEUROCIÊNCIA

SUZANA HERCULANO-HOUZEL

Criatividade e a falta dela

Um dos lados divertidos de ser neurocientista de plantão são os convites para falar para públicos diferentes, e na semana passada lá fui eu falar no workshop de inovação de uma empresa de perfumes e cosméticos. O tema? Criatividade. Ótima chance para usar meu lado criativo e montar uma palestra diferente das habituais -mas não sem antes uma hesitação: o que, afinal, a neurociência pode dizer sobre o processo de inovação?
Muita coisa. A começar pela falta de originalidade: você já notou que, nos filmes de ficção científica, os alienígenas são sempre variações sobre humanos, répteis, polvos e outros bichos com tentáculos ou seres amorfos, como amebas? Na melhor das hipóteses, os criadores apelam para seres invisíveis que dominam seres humanos. Por que tanta falta de criatividade?
No final dos anos 1990, quando se tornou possível acompanhar a atividade cerebral em voluntários acordados e saudáveis, o neurocientista inglês Stephen Kosslyn mostrou que a imaginação -a capacidade de visualizar mentalmente o que não está acessível aos olhos ou a outros sentidos- usa as mesmas partes do cérebro que recebem informações dos sentidos.
Acontece que, desde os anos 1970, sabemos que os sentidos dependem de experiência para se firmarem no cérebro. Daí, por exemplo, a importância de corrigir o estrabismo cedo: se o cérebro não tiver experiência com imagens convergentes dos dois olhos ao mesmo tempo, ele não aprende a enxergar profundidade e pode acabar praticamente cego para um dos olhos. O mesmo vale para sons, cheiros e imagens que não vemos nunca: o cérebro não aprende a percebê-los. Um cérebro que nunca viu movimento, por exemplo, não sabe o que fazer com isso. E um que nunca viu araras ou ultravioleta não sabe imaginar o que é uma arara ou a cor do ultravioleta. Se a imaginação depende dos sentidos e os sentidos, de experiência, então a imaginação depende de experiência.
A boa notícia é que a experiência que nos limita a criatividade é algo que se adquire, podendo ser desenvolvida. Quanto mais ricas em variedade forem nossas experiências sensoriais, mais elementos teremos para combinar de maneiras inusitadas e criativas. A má notícia é que, se somos limitados pela experiência, posso abandonar minhas esperanças de um dia ver um extraterrestre realmente diferente nos filmes -enquanto um de verdade não vier à Terra...


SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, professora da UFRJ, autora do livro "Fique de Bem com o Seu Cérebro" (Editora Sextante) e do site O Cérebro Nosso de Cada Dia

(www.cerebronosso.bio.br)



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