São Paulo, quinta-feira, 19 de agosto de 2004 |
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outras idéias thereza soares pagani Celebrar as festas para transmitir saber
Várias famílias que têm crianças em outras
escolas vieram me pedir que contasse um
pouco do modo como conseguimos que
todas as crianças se envolvam nas festas folclóricas com alegria, entusiasmo, autonomia e harmonia dentro e fora do espaço escolar. Fora também
porque utilizamos o final arredondado da frente
do prédio da escola, que fica numa rua sem saída.
O adulto que está brincando oferece o modelo, porém fica atento para não desmotivar ninguém, evitando apontar erros e corrigir o uso da direita ou da esquerda, pois as crianças ainda não estão prontas para esse tipo de refinamento. Os pais também colaboram brincando com fantasias, dançando, tocando, cantando as mesmas cirandas, congadas, coco, lenço paulista etc. As festas e os aniversários estão sempre repletos de muita festividade e alegria. O espaço é simples e se transforma, criando um imaginário para cada um que se disponha a inová-lo. As árvores -goiabeiras, pitangueiras, caramboleiras, mangueiras e ameixeiras- dão o cenário e a sombra necessários para as histórias, para as dramatizações e até para a colheita de frutas da época. As canas-de-açúcar e o bambu fornecem o ambiente para a reinação do saci e outros tantos mitos. O salão em formato de octógono de 80 metros quadrados se modifica conforme a necessidade e está sempre invadido pelo cheiro da cozinha, que recebe a visita dos que sentem fome mais cedo e dizem "minha barriga já esta com fome" ou simplesmente "papá". Embora o almoço não seja preparado todos os dias no fogão de lenha, toda a comida é feita em panelas de barro, de pedra-sabão ou de ferro, recipientes que mantêm um calor todo especial. O pilão para socar paçoca doce ou salgada e para fazer quirela para os pintinhos está sempre presente para lembrar o nosso folclore culinário tão rico e recriado nos centros urbanos e nas metrópoles. Pular amarelinha, brincar com ioiô, jogar peteca ou jogo-da-velha, soltar maria pretinha, brincar de esconde-esconde, de pique, de barra-manteiga, de mãe da rua, de queimada, de caça ao lobo, de galinha e seus pintinhos ou de pontanetas, jogar pião, corrupio de lata ou botão, piorra ou joão-teimoso, brincar de casinha, contar histórias de mitos etc., tudo isso faz parte de nosso cotidiano! Bater na pinhata e quebra-pote em aniversários e dias de festa, organizar procissões com andor em autos de Natal, encenar autos pastoris e reisado são atividades que envolvem todos. Nas festas juninas, temos o pau-de-sebo e o mastro com a participação do sanfoneiro e do zabumbeiro, que tocam ao vivo para todos dançarem, galoparem e viverem a música de raiz. Apresentamos o bumba-meu-boi com o auto contado e cantado pelo maranhense Tião Carvalho, agora acompanhado do seu caçula de sete anos, que é o tripeiro do boi e toca e dança ao som dos maracás com a criançada. Trazemos malabares e palhaços para brincar em nosso espaço, familiarizando as crianças com as idas ao circo. Elas andam de perna-de-pau, enfim, aprendem brincando, conhecendo-se, conhecendo o outro e se apropriando de nossas raízes. Folclore! Assim a ciência das tradições e dos usos populares, bem como o conjunto de poemas, lendas, provérbios, cantos, canções e danças de uma região ou de todo um país, é passada às crianças ainda na primeira infância sem ensaios nem grandes gastos. Quem não teve a mesma oportunidade na infância aprende com os filhos -brincando, pesquisando, fazendo uma garimpagem semelhante à que, no fim do século 18, fizeram os irmãos Grimm e outros, que criaram a designação "folclore" para nomear esse conjunto de tradições e saberes que festejamos no dia 22 de agosto. THEREZA SOARES PAGANI ("Therezita') é educadora e diretora da Tearte, escola de educação infantil; e-mail: tepagani@uol.com.br Texto Anterior: A cura que passa pelas mãos Próximo Texto: Poucas e boas Índice |
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