São Paulo, quinta-feira, 19 de agosto de 2004
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s.o.s. família

rosely sayão

Plástica precoce reafirma padrões impostos de beleza

Os programas de televisão que mostram a corrida à cirurgia plástica sob os pretextos mais diversos estão se multiplicando em velocidade impressionante. Do mesmo modo, impressionante é também o número de garotas e jovens que buscam ou anseiam buscar na cirurgia estética a solução para o que consideram ser um problema em seu corpo. O que espanta é que boa parte dessas meninas tenha a autorização e a conivência de seus pais -muitas vezes, até estímulos entusiasmados- para tomar tal decisão. Que crianças e jovens se concentrem na vida presente ao avaliarem seus problemas e buscarem soluções é absolutamente natural. Afinal, a possibilidade de conjugar a vida nos três tempos -passado, presente e futuro- chega com a vida adulta. Essa é uma das grandes diferenças entre jovens e adultos: como o tempo presente é soberano para os jovens, as soluções encontradas por eles sempre apontam para a rapidez pretendida. Tudo para eles é urgente, já que o futuro está nas próximas férias ou na próxima festa, por exemplo. Já os adultos podem optar por soluções mais demoradas porque consideram o futuro em suas possibilidades mais amplas.
Então, o que leva tantos pais a permitir às suas filhas, principalmente, que se submetam a procedimentos médicos que são invasivos, que comportam riscos e que trazem conseqüências futuras? Essa é nossa pergunta de hoje, que, como sempre, não tem uma resposta certa, mas apenas pistas para reflexão. Vamos a elas.
Bem, contrariar expectativas, anseios e impulsos dos filhos -conversamos freqüentemente a esse respeito- parece ser uma posição muito difícil de bancar no mundo contemporâneo. É que isso provoca principalmente duas conseqüências indigestas aos pais. A primeira é terem de conviver com a expressão de desagrado dos filhos. Expressão essa, aliás, que é um direito a ser exercido por eles. A segunda é terem de suportar assistir ao sofrimento do filho ao enfrentar as vicissitudes de sua vida. É claro que não é fácil para nenhuma mãe ou pai ver o filho frustrado, zangado, insatisfeito, sofrido. Mas essa difícil tarefa fica menos árdua quando os pais se lembram de que essa dor não é inútil. É mesmo inevitável defrontar-se com os próprios limites. Isso provoca dor, mas é assim também que o jovem se conhece, cresce e encontra seu modo de se relacionar consigo mesmo e com o mundo. É bancando o lugar do adulto diante do sofrimento juvenil que os pais ajudam o filho -a filha, no caso- a encontrar seu lugar no mundo.
Ao deixarem o papel de orientadores quando a filha pede uma plástica para modificar o nariz, retirar gorduras consideradas indesejáveis e esteticamente inaceitáveis ou aumentar ou diminuir mamas -e não considero agora as cirurgias que vão beneficiar a garota, caso de algumas reduções indicadas- e ocuparem o papel das amigas, seus pares, os pais também estão transmitindo uma atitude. A de que, por exemplo, o modelo atual de beleza deve ser aceito sem restrições e a de que a aparência certa é o requisito da identidade pessoal que mais importa. Será que isso é verdade? Para algumas pessoas, é. Uma jovem atriz, ao comentar sua aparência física, disse que sua beleza a ajuda todos os dias a enfrentar as dificuldades da vida. E cita, como exemplo, a hora de solicitar que o guarda de trânsito não a multe por uma transgressão cometida.
Por fim, temos a dificuldade em conviver com a diversidade, que aparece de modo agudo na adolescência. E é nessa época que é possível aprender que conviver com a diferença, embora possa ser difícil, é enriquecedor.
Talvez seja hora de pensar com mais calma nos pedidos de cirurgia plástica que as filhas fazem. Os médicos que são responsáveis não consideram que esse procedimento deva ser tão banalizado. Há riscos em viver. Trocamos esses pelos riscos cirúrgicos. É essa a nossa opção?


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha), entre outros. roselys@uol.com.br


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