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FOCO NELE
Relação médico-paciente influencia cura
quem é ele
Nome: Protásio da Luz
Idade: 60 anos
Profissão: cardiologista e professor
da Faculdade de Medicina da USP
O que faz: é diretor da Unidade da
Clínica de Arteriosclerose do Incor
Filosofia de vida: "A comunicação é tão importante para o tratamento quanto a competência médica. Por isso, médicos devem ser
curiosos, ter cultura geral, saber
conversar tanto com um agricultor quanto com um industrial"
DANIELA FALCÃO - EDITORA-ASSISTENTE DO EQUILÍBRIO
O cardiologista Protásio da Luz
Há duas semanas, o cardiologista Protásio da Luz, 60, recebeu em sua sala no
Incor (Instituto do Coração) um paciente
que veio do interior de Goiás para tratar
uma doença cardíaca. Dez minutos após
o início da consulta, o paciente continuava sentado e a maca de exames, intacta.
"Passamos o tempo todo conversando
sobre gado de corte", conta Luz, que teve
de recorrer às lembranças da infância para abordar um assunto que interessasse
ao paciente e, assim, conquistar sua confiança. "Quando o coloquei na maca para
começar o exame de verdade, ele disse
rindo: "Doutor, de gado o senhor entende, vamos ver de coração". Nessa hora
percebi que havia ganho o paciente."
O cardiologista, que é professor da USP
e chefia a unidade de arteriosclerose do
Incor, acredita que a cura depende do
bom relacionamento entre médico e paciente. "É preciso haver confiança. Se o
paciente não se sentir confortável para
expor ao médico seus medos e dúvidas, o
tratamento fica comprometido", adverte. Leia a entrevista abaixo.
"Um corte no tórax não significa nada para o médico, mas é traumático para o paciente. Médicos deveriam ficar doentes de vez em quando para avaliar como se sente quem está do outro lado"
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Folha - Por que a relação médico-paciente é tão importante?
Protásio da Luz - Porque a cura depende
dela. A pessoa fica doente por causa de
uma alteração orgânica que provoca disfunções que comprometem o funcionamento do corpo. Quando o médico passa
a cuidar da alteração, o que era só orgânico sofre influência humana. Para o tratamento dar bons resultados, médico e paciente têm de estar em sintonia e estabelecer um relação de confiança mútua.
Folha - E o que vai determinar uma boa
relação médico-paciente?
Luz - O que mais influencia é a competência do médico. O paciente só segue à
risca o que o médico sugere se o considera competente. O segundo ingrediente é
compreensão. O médico tem de entender
o problema do doente, ter a capacidade
de se colocar no lugar e perceber como
ele está se sentindo. Infelizmente, a maioria não tem compreensão adequada da
extensão da dor, não avalia direito a angústia, a ansiedade e o medo do paciente.
Folha - Quer dizer que o médico tem de
ser um pouco analista?
Luz - Tem, mas não é complicado. Basta
lembrar que o paciente está lidando com
máquinas, pessoas e procedimentos totalmente desconhecidos. O médico acha
tudo normal, banal, seguro e esquece que
para o paciente é uma situação novíssima. Um corte no tórax não significa nada
para o médico, mas é traumático para o
paciente. Médicos deveriam ficar doentes de vez em quando para avaliar como
se sente quem está do outro lado.
Folha - O que mais é importante na relação médico-paciente?
Luz - Como é baseada em confiança, é
fundamental o médico ser franco e honesto ao transmitir as informações. O paciente está lidando com algo desconhecido e vai acreditar piamente naquilo que o
médico disser. É intolerável mandar o
paciente fazer exames desnecessários ou
promessas que não poderá cumprir.
Folha - O sr. acha que o médico deve dizer
tudo ao paciente?
Luz - Nem sempre porque seria até desumano. O médico não pode mentir em
hipótese alguma, mas dizer toda a verdade é uma coisa discutível. Se tenho um
paciente com doença grave, minha obrigação é explicar que o prognóstico é
ruim, mas não preciso dizer que ele vai
morrer em seis meses. Em primeiro lugar, porque a medicina está avançando
num ritmo tão alucinado que, a qualquer
momento, pode surgir a cura para a
doença que era letal. Em segundo lugar,
porque o diagnóstico pode estar errado.
Mesmo os médicos mais competentes erram, e não é justo condenar a pessoa a viver sob uma sentença de morte.
Folha - Mas, se omitir essa informação, o
paciente não pode se sentir enganado?
Luz - Não se ele perceber que você está
se empenhando ao máximo. Na cultura
brasileira, o hábito de dizer toda a verdade não dá certo. Nos EUA, onde já trabalhei por cinco anos, funciona. Aqui, não.
Folha - Por que ocorrem tantos mal-entendidos entre médicos e pacientes?
Luz - Porque a comunicação é malfeita.
Se o médico gastar 15 minutos explicando só termos técnicos da doença, o paciente vai sair sem saber nada. Se ele fala
sem clareza e o paciente se sente constrangido de perguntar, não há diálogo.
Médicos precisam explicar como é cada
procedimento e para que serve.
Folha - As escolas de medicina ensinam
os alunos a desenvolver essas habilidades?
Luz - Muito pouco. Já se discute a importância de investir na formação geral
do médico, mas ainda é um movimento
embrionário. O aluno precisa ter uma
cultura geral ampla porque ele vai ter de
lidar diariamente com pessoas de origens
e níveis socioeconômicos muito distintos
e precisa se fazer compreender por todos.
Se fala com um agricultor, é bom saber
alguma coisa sobre lavoura para criar
cumplicidade e até fazer paralelos com a
doença. No mesmo dia, pode atender um
industrial e terá de utilizar outra linguagem, falar de outros assuntos. Só assim
consegue a intimidade necessária para
que o paciente exponha problemas pessoais fundamentais para compreender a
evolução das doenças.
Folha - A culpa então é das faculdades?
Luz - Em parte. As condições de funcionamento do sistema de saúde hoje, tanto
público quanto particular, exercem uma
pressão econômica muito forte em cima
do médico para que aumente a produtividade e tudo termina sendo feito às
pressas. O médico cuida das doenças, em
vez de cuidar das pessoas.
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