|
Próximo Texto | Índice
outras idéias
Dulce Critelli
Liberdade seqüestrada
O saldo desses novos
ataques da quadrilha
que apavora São Paulo foi a revelação de
que as comunidades do crime
já não roubam apenas nosso dinheiro ou nossos bens. Elas
roubam também nossa liberdade e nossa cidadania.
As organizações criminosas
regulam nossos direitos básicos, como o de ir e vir -sair de
casa para o mundo, para encontrar pessoas. E, como não há, na
nossa tradição, nada que nos
capacite a lidar com o crime,
respondemos a ele com perplexidade e impotência.
A liberdade não é um atributo da natureza humana nem é
individual. Ela não é interna,
não é psicológica e não é uma
escolha comandada pela consciência. A liberdade é uma experiência. É uma qualidade do
agir humano e só se realiza
num espaço público e na relação com outros homens. Fora
da ação, a liberdade é um sonho, uma aspiração, uma potência, mas não é concreta.
Ao longo da história, as guerras de conquista e as dominações entre os povos foram interferindo nesse espaço público, em que a liberdade podia
acontecer, tornando-o mais
restrito, quando não completamente suprimido. Para compensar essa perda, a liberdade
foi sendo acuada nos limites de
uma ação individual.
Epiceto (55 d.C.), por exemplo, filósofo que viveu na época
em que a Grécia estava sob o
domínio de Roma, passou a
afirmar que "livre é aquele que
vive como quer". E, mais tarde,
na Era Moderna, com o espaço
público da liberdade ainda
mais cerceado, inventou-se a
"interioridade", um espaço
dentro dos indivíduos onde
eles poderiam se sentir livres
das opressões externas.
A liberdade sempre foi condição da cidadania. Sempre foi
uma questão de acordo ou de
luta entre os cidadãos e os governos. A função dos governos,
até o século 17, era a de proteger
(ou cercear) a liberdade dos indivíduos. A partir de então, tornou-se a de garantir a segurança das pessoas -sua vida e a satisfação de necessidades vitais.
No século passado, os regimes totalitários (nazismo, stalinismo, fascismo) romperam com a tradição da função dos governos de proteger a liberdade ou a segurança, usando o terror para aniquilar ambas.
No Brasil, nossa última experiência de cerceamento da liberdade foi nos anos 60 e 70, com a ditadura militar, que nos
confinava a nossas casas, vigiava nossas ações e palavras e nos
impunha o isolamento.
Mas o que vivemos nestes
dias é mais grave porque introduz uma situação absolutamente nova na história. O poder sobre a liberdade deixa de
ser pessoal e nem é mais político. Esse poder é do crime.
DULCE CRITELLI , terapeuta existencial e
professora de filosofia da PUC-SP, é autora
de "Educação e Dominação Cultural" e
"Analítica de Sentido" e coordenadora do
Existentia -Centro de Orientação e Estudos da
Condição Humana
dulcecritelli@existentia.com.br
[...] Como não há nada que nos
capacite a lidar com o crime, respondemos
a ele com perplexidade e impotência
Próximo Texto: Pergunte aqui Índice
|