São Paulo, quinta-feira, 20 de julho de 2006
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nutrição

Minivegetarianos

Crianças e adolescentes precisam de mais cuidados do que adultos para seguir dietas vegetarianas; veja dicas de nutricionistas e médicos para garantir crescimento saudável

FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL

A frase da capa deste caderno pode não ser familiar -ou até mesmo parecer inverossímil- para a maioria dos pais de crianças pequenas. Afinal, com tantos apelos ao paladar infantil, poucas são as que trocariam, de bom grado, um hambúrguer com cheddar ou um bife recém-saído da frigideira por um prato de verduras, legumes e cereais.
Mas quem educa os filhos no vegetarianismo garante que dá para banir do cardápio a carne e mesmo outros produtos de origem animal, como leite e ovos, sem choro e, mais ainda, sem prejudicar a saúde da criança.
De fato, na infância e na adolescência, é fundamental manter uma alimentação adequada, já que disso dependem o crescimento e o desenvolvimento saudáveis. Quando se trata de uma dieta que restringe alimentos, os cuidados devem ser redobrados.
A discussão sobre o tema fica mais evidente com o crescimento do número de adeptos: não há dados no Brasil, mas, no Reino Unido, por exemplo, estima-se que a porcentagem cresceu de 1,8% da população nos anos 80 para de 3% a 7% em 2001. No 1º Congresso Vegetariano Latino-Americano (www.svb.org.br), que ocorre em São Paulo entre 4 e 8 de agosto, duas palestras abordarão especificamente a alimentação de crianças.
"As principais preocupações em relação às crianças vegetarianas se concentram no ferro, no cálcio, na vitamina B12, no zinco e, quando não há suficiente exposição ao sol, na vitamina D. Alimentos de origem animal, fontes mais ricas desses nutrientes, são muito importantes nessa fase de grande desenvolvimento", afirma a nutricionista Silvia Cozzolino, professora titular da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP (Universidade de São Paulo) e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Nutrição.
Para ela, os ovolactovegetarianos -que banem só as carnes- correm menos risco de ter deficiência nutricional do que os veganos, também conhecidos como vegan ou vegetarianos estritos -que não aceitam nenhum produto de origem animal, como laticínios, ovos e gelatina. "Os ovolactovegetarianos ingerem mais proteínas de origem animal e cálcio, além de outras vitaminas e minerais, ao passo que as dietas mais restritas trazem mais riscos, principalmente se seguidas sem orientação."
O pediatra e nutrólogo Mauro Fisberg, coordenador clínico do Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), diz que estudos de sua equipe mostram que os ovolactovegetarianos apresentam estado nutricional adequado "se não forem radicais". Já os veganos, de acordo com ele, teriam mais problemas.
Mas, segundo o nutrólogo Eric Slywitch, coordenador do departamento de medicina e nutrição da SVB (Sociedade Vegetariana Brasileira), estudos provam que mesmo a dieta vegana pode suprir as necessidades da infância e da adolescência. "As pesquisas que indicam crescimento insuficiente são, em geral, feitas com crianças que seguem dietas muito restritas, como certas macrobióticas que não têm qualquer variedade e que nem sempre são vegetarianas. Isso é passar fome, e não ser vegetariano."

Planejamento e variedade
Depois de analisar estudos que comparam o desenvolvimento de crianças vegetarianas com o de onívoras, a Associação Dietética Americana e a Academia Americana de Pediatria concluíram que as dietas vegetarianas, incluindo as veganas, promovem o crescimento normal "quando bem planejadas".
O planejamento é apontado por médicos e nutricionistas como a chave para conseguir um bom balanço nutricional. "Pais vegetarianos precisam estar dispostos a mudar a rotina. Têm que ligar para o hotel antes de viajar para saber se há opções, tomar cuidado ao comer na rua, ensinar à cozinheira certos pratos. Exige dedicação, mas, com um mínimo investimento de energia, dá para implementar", diz o nutricionista George Guimarães, membro do departamento científico da SVB e proprietário da NutriVeg, consultoria de nutrição vegetariana. Seus dois filhos, de sete e seis anos, são criados com base na dieta vegana.
Para montar o cardápio, ele recomenda observar a variedade. Leguminosas, cereais, frutas oleaginosas e -quando permitido- laticínios devem ser combinados com frutas e hortaliças. "A primeira coisa que é preciso ter em mente é que dieta vegetariana não é só verdura. Se a criança comer só um monte de folhas, não atingirá o que necessita em termos de calorias", diz Eric Slywitch.
Como a criança precisa de energia e tem o estômago mais limitado, é importante dar alimentos densos caloricamente (que forneçam bastante energia em um volume pequeno). Castanhas e leguminosas do grupo do feijão são duas sugestões. Já aqueles que têm muita fibra, comuns nas dietas vegetarianas, não devem ser dados em exagero, pois ocupam espaço sem fornecer muitas calorias.
"O excesso de fibras pode patrocinar a perda de minerais, pois carregam alguns desses micronutrientes, como zinco, selênio e cobre, para serem excretados nas fezes", alerta o pediatra Ary Lopes Cardoso, chefe da unidade de nutrologia do Hospital das Clínicas da USP. Ele afirma que, a longo prazo, "o vegetarianismo estrito tende a trazer deficiências nutricionais para o indivíduo, como no caso da vitamina B12".
O exemplo da B12 é clássico. Como só está presente em fontes de origem animal, ela é pobre ou inexistente na dieta vegetariana. Por isso, já é um consenso que os veganos devem tomar suplementos dessa vitamina. Há quem recomende que mesmo as crianças ovolactovegetarianas tomem suplementos de B12. "É uma vitamina importante para formar o sistema nervoso, e sua falta pode gerar seqüelas. Elas devem tomar por segurança", diz Guimarães.
A importância da variedade fica mais evidente na hora de balancear as proteínas, outra questão muito comentada quando se fala em vegetarianismo. "A carne tem todos os aminoácidos essenciais, ou seja, aqueles que o corpo não produz. Na falta dela, é preciso conjugar diferentes fontes vegetais para adquirir todos os aminoácidos", ensina a pediatra Roseli Sarni, presidente do departamento científico de nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria. A dica é misturar leguminosas e oleaginosas com cereais. "Nesse ponto, a dieta do brasileiro, à base de arroz e feijão, contribui", diz Slywitch. O médico questiona outro tema muito discutido: a importância da carne como fonte de ferro. Segundo ele, só 40% do ferro da carne é do tipo "heme" (mais facilmente absorvido pelo organismo e apenas presente em alimentos de origem animal). "Além disso, a estocagem e o aquecimento da carne fazem com que boa parte desse ferro se converta em "não heme". E os vegetarianos comem mais alimentos com vitamina C, que facilita a absorção de ferro. A carne é alardeada falsamente como uma salvação." Roseli Sarni diz que não há comprovação de que os vegetarianos ingiram menos ferro, mas acrescenta que, como o índice de anemia na infância e na adolescência é muito alto no Brasil em todas as classes sociais, não custa ficar de olho. Para balancear todas essas questões, vale procurar aconselhamento profissional. "Na verdade, toda criança deveria ter orientação nutricional, mas, infelizmente, não é todo médico que está apto a fazer isso com segurança", diz Sarni, que recomenda buscar profissionais com formação adequada para orientar esse tipo de dieta.


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