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nutrição
Minivegetarianos
Crianças e adolescentes precisam de mais cuidados do que adultos para seguir dietas vegetarianas; veja dicas de nutricionistas e médicos para garantir crescimento saudável
FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL
A
frase da capa deste caderno pode não ser familiar -ou até mesmo parecer inverossímil- para a maioria dos pais de
crianças pequenas. Afinal, com
tantos apelos ao paladar infantil, poucas são as que trocariam,
de bom grado, um hambúrguer
com cheddar ou um bife recém-saído da frigideira por um prato
de verduras, legumes e cereais.
Mas quem educa os filhos no
vegetarianismo garante que dá
para banir do cardápio a carne e
mesmo outros produtos de origem animal, como leite e ovos,
sem choro e, mais ainda, sem
prejudicar a saúde da criança.
De fato, na infância e na adolescência, é fundamental manter uma alimentação adequada,
já que disso dependem o crescimento e o desenvolvimento
saudáveis. Quando se trata de
uma dieta que restringe alimentos, os cuidados devem ser
redobrados.
A discussão sobre o tema fica
mais evidente com o crescimento do número de adeptos:
não há dados no Brasil, mas, no
Reino Unido, por exemplo, estima-se que a porcentagem
cresceu de 1,8% da população
nos anos 80 para de 3% a 7% em
2001. No 1º Congresso Vegetariano Latino-Americano
(www.svb.org.br), que ocorre
em São Paulo entre 4 e 8 de
agosto, duas palestras abordarão especificamente a alimentação de crianças.
"As principais preocupações
em relação às crianças vegetarianas se concentram no ferro,
no cálcio, na vitamina B12, no
zinco e, quando não há suficiente exposição ao sol, na vitamina D. Alimentos de origem
animal, fontes mais ricas desses nutrientes, são muito importantes nessa fase de grande
desenvolvimento", afirma a
nutricionista Silvia Cozzolino,
professora titular da Faculdade
de Ciências Farmacêuticas da
USP (Universidade de São Paulo) e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Nutrição.
Para ela, os ovolactovegetarianos -que banem só as carnes- correm menos risco de
ter deficiência nutricional do
que os veganos, também conhecidos como vegan ou vegetarianos estritos -que não
aceitam nenhum produto de
origem animal, como laticínios,
ovos e gelatina. "Os ovolactovegetarianos ingerem mais proteínas de origem animal e cálcio, além de outras vitaminas e
minerais, ao passo que as dietas mais restritas trazem mais
riscos, principalmente se seguidas sem orientação."
O pediatra e nutrólogo Mauro Fisberg, coordenador clínico
do Centro de Atendimento e
Apoio ao Adolescente da Unifesp (Universidade Federal de
São Paulo), diz que estudos de
sua equipe mostram que os
ovolactovegetarianos apresentam estado nutricional adequado "se não forem radicais". Já
os veganos, de acordo com ele,
teriam mais problemas.
Mas, segundo o nutrólogo
Eric Slywitch, coordenador do
departamento de medicina e
nutrição da SVB (Sociedade
Vegetariana Brasileira), estudos provam que mesmo a dieta vegana pode suprir as necessidades da infância e da adolescência. "As pesquisas que indicam crescimento insuficiente
são, em geral, feitas com crianças que seguem dietas muito
restritas, como certas macrobióticas que não têm qualquer
variedade e que nem sempre
são vegetarianas. Isso é passar
fome, e não ser vegetariano."
Planejamento e variedade
Depois de analisar estudos
que comparam o desenvolvimento de crianças vegetarianas
com o de onívoras, a Associação
Dietética Americana e a Academia Americana de Pediatria
concluíram que as dietas vegetarianas, incluindo as veganas,
promovem o crescimento normal "quando bem planejadas".
O planejamento é apontado
por médicos e nutricionistas
como a chave para conseguir
um bom balanço nutricional.
"Pais vegetarianos precisam
estar dispostos a mudar a rotina. Têm que ligar para o hotel
antes de viajar para saber se há
opções, tomar cuidado ao comer na rua, ensinar à cozinheira certos pratos. Exige dedicação, mas, com um mínimo investimento de energia, dá para
implementar", diz o nutricionista George Guimarães, membro do departamento científico
da SVB e proprietário da NutriVeg, consultoria de nutrição
vegetariana. Seus dois filhos, de
sete e seis anos, são criados
com base na dieta vegana.
Para montar o cardápio, ele
recomenda observar a variedade. Leguminosas, cereais, frutas oleaginosas e -quando permitido- laticínios devem ser
combinados com frutas e hortaliças. "A primeira coisa que é
preciso ter em mente é que dieta vegetariana não é só verdura.
Se a criança comer só um monte de folhas, não atingirá o que
necessita em termos de calorias", diz Eric Slywitch.
Como a criança precisa de
energia e tem o estômago mais
limitado, é importante dar alimentos densos caloricamente
(que forneçam bastante energia em um volume pequeno).
Castanhas e leguminosas do
grupo do feijão são duas sugestões. Já
aqueles que têm muita fibra,
comuns nas dietas vegetarianas, não devem ser dados em
exagero, pois ocupam espaço
sem fornecer muitas calorias.
"O excesso de fibras pode patrocinar a perda de minerais,
pois carregam alguns desses
micronutrientes, como zinco,
selênio e cobre, para serem excretados nas fezes", alerta o pediatra Ary Lopes Cardoso, chefe da unidade de nutrologia do
Hospital das Clínicas da USP.
Ele afirma que, a longo prazo,
"o vegetarianismo estrito tende
a trazer deficiências nutricionais para o indivíduo, como no
caso da vitamina B12".
O exemplo da B12 é clássico.
Como só está presente em fontes de origem animal, ela é pobre ou inexistente na dieta vegetariana. Por isso, já é um consenso que os veganos devem tomar suplementos dessa vitamina. Há quem recomende que
mesmo as crianças ovolactovegetarianas tomem suplementos de B12. "É uma vitamina
importante para formar o sistema nervoso, e sua falta pode gerar seqüelas. Elas devem tomar
por segurança", diz Guimarães.
A importância da variedade
fica mais evidente na hora de
balancear as proteínas, outra
questão muito comentada
quando se fala em vegetarianismo. "A carne tem todos os aminoácidos essenciais, ou seja,
aqueles que o corpo não produz. Na falta dela, é preciso
conjugar diferentes fontes vegetais para adquirir todos os
aminoácidos", ensina a pediatra Roseli Sarni, presidente do
departamento científico de nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria.
A dica é misturar leguminosas e oleaginosas com cereais.
"Nesse ponto, a dieta do brasileiro, à base de arroz e feijão,
contribui", diz Slywitch.
O médico questiona outro tema muito discutido: a importância da carne como fonte de
ferro. Segundo ele, só 40% do
ferro da carne é do tipo "heme"
(mais facilmente absorvido pelo organismo e apenas presente
em alimentos de origem animal). "Além disso, a estocagem
e o aquecimento da carne fazem com que boa parte desse
ferro se converta em "não heme". E os vegetarianos comem
mais alimentos com vitamina
C, que facilita a absorção de ferro. A carne é alardeada falsamente como uma salvação."
Roseli Sarni diz que não há
comprovação de que os vegetarianos ingiram menos ferro,
mas acrescenta que, como o índice de anemia na infância e na
adolescência é muito alto no
Brasil em todas as classes sociais, não custa ficar de olho.
Para balancear todas essas
questões, vale procurar aconselhamento profissional. "Na verdade, toda criança deveria ter
orientação nutricional, mas, infelizmente, não é todo médico
que está apto a fazer isso com
segurança", diz Sarni, que recomenda buscar profissionais
com formação adequada para
orientar esse tipo de dieta.
Agradecimentos: Kirk's Presentes (www.kirkspresentes.com.br ) e Spicy ( www.spicy.com.br )
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