São Paulo, quinta-feira, 20 de setembro de 2007
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Outras idéias


[...] MINHA IRMÃ QUERIA SABER QUE ANIMAIS SELVAGENS VERIA NO RIO; EU LHE DISSE QUE ERA APENAS UMA SELVA DE PEDRA


Cavalgando na praia de Ipanema

Michael Kepp

O desconhecimento da geografia mundial por parte da maioria dos americanos não me deixou preparado para a visita da minha irmã ao Rio no mês passado. Mas explica por que ela queria, em uma semana, incluir uma expedição até a Amazônia. Também explica por que ela perguntou, ao chegar, se estava vendo o oceano Atlântico ou o Pacífico.
O desconhecimento da minha irmã sobre outras culturas não é tão desconcertante quanto o de alguns ianques, como George W.
Bush, que perguntou a FHC se havia negros no Brasil. Ela só perguntou, em um dos muitos e-mails, se o povo português era hipersensível a alguma coisa. "Só a uma", respondi, "chamá-los de portugueses". Ela também queria saber que animais selvagens veria no Rio. Eu lhe disse que era apenas uma selva de pedra.
Os americanos recebem essa imagem exótica da mídia. Uma reportagem de 1992 no "Washington Post" descrevia o Rio como "um lugar estranho" com "uma impressionante variedade de cobras se enrolando nas palmeiras dos vasos à entrada dos prédios residenciais" e "bodes selvagens pastando nos morros".
E um episódio de 2002 dos Simpsons mostrou macacos e jibóias comedoras de crianças por toda a cidade.
Em outro e-mail, minha irmã perguntou se poderia andar a cavalo na praia de Ipanema e se veria mulheres altas por lá. Essa idéia veio da versão em inglês de "Garota de Ipanema", que começa: "Tall and tan and young and lovely..." (alta e bronzeada e jovem e linda...).
Minha sobrinha adolescente, que viria ao Rio com a mãe, ouvira um CD do Jobim que a deixou sem nenhum desejo de ouvir música brasileira aqui. Mas queria aprender a sambar. "É difícil sambar sem ouvir música brasileira", respondi a ela por e-mail.
Só mais tarde vi por que minha irmã havia me bombardeado com perguntas e pedidos bizarros. O Brasil era um mistério para essa californiana, em suas primeiras férias fora dos EUA. E ela se sentia insegura de passar tanto tempo em uma terra estrangeira, com um irmão que não conhecia muito bem e que não via há anos.
Quando ela e a filha chegaram, suas inseguranças foram suavizadas por muitas surpresas agradáveis -seja a beleza do povo e da paisagem, seja o costume de cumprimentar com beijinhos, seja o bidê. "Se os EUA são tão desenvolvidos, por que não têm bidê?", perguntou minha sobrinha. Tudo o que fizeram e viram no Rio as fascinou porque era novidade. Até ver um simples mico-estrela foi um momento mágico. "Não se vêem macacos na Califórnia", disse minha sobrinha, "só no zoológico".
Como guia das duas, também vi o Rio com novos olhos, também virei viajante. A viagem trouxe outras revelações. Minha irmã foi a primeira parenta que minha mulher e meus enteados brasileiros conheceram. Observar semelhanças entre nós -como nossa neurose em relação a dinheiro- os ajudou a me entenderem melhor.
Eu e minha irmã notamos outras semelhanças -o modo como competimos por atenção- que não tínhamos notado antes. Isso aprofundou nossa compreensão de nós mesmos e do outro e nos aproximou. E, se pensarmos bem, não é para isso que servem as viagens?


MICHAEL KEPP , jornalista norte-americano radicado há 25 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)

www.michaelkepp.com.br

Texto Anterior: Sete itens
Próximo Texto: Pergunte aqui
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.