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Outras idéias
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MINHA IRMÃ QUERIA SABER QUE ANIMAIS
SELVAGENS VERIA NO RIO; EU LHE DISSE
QUE ERA APENAS UMA SELVA DE PEDRA
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Cavalgando na praia de Ipanema
Michael Kepp
O desconhecimento da
geografia mundial por
parte da maioria dos
americanos não me
deixou preparado para a visita da
minha irmã ao Rio no mês passado. Mas explica por que ela queria, em uma semana, incluir uma
expedição até a Amazônia. Também explica por que ela perguntou, ao chegar, se estava vendo o
oceano Atlântico ou o Pacífico.
O desconhecimento da minha
irmã sobre outras culturas não é
tão desconcertante quanto o de
alguns ianques, como George W.
Bush, que perguntou a FHC se
havia negros no Brasil. Ela só
perguntou, em um dos muitos e-mails, se o povo português era hipersensível a alguma coisa. "Só a
uma", respondi, "chamá-los de
portugueses". Ela também queria saber que animais selvagens
veria no Rio. Eu lhe disse que era
apenas uma selva de pedra.
Os americanos recebem essa
imagem exótica da mídia. Uma
reportagem de 1992 no "Washington Post" descrevia o Rio como "um lugar estranho" com
"uma impressionante variedade
de cobras se enrolando nas palmeiras dos vasos à entrada dos
prédios residenciais" e "bodes
selvagens pastando nos morros".
E um episódio de 2002 dos
Simpsons mostrou macacos e jibóias comedoras de crianças por
toda a cidade.
Em outro e-mail, minha irmã
perguntou se poderia andar a cavalo na praia de Ipanema e se veria mulheres altas por lá. Essa
idéia veio da versão em inglês de
"Garota de Ipanema", que começa: "Tall and tan and young and
lovely..." (alta e bronzeada e jovem e linda...).
Minha sobrinha adolescente,
que viria ao Rio com a mãe, ouvira um CD do Jobim que a deixou
sem nenhum desejo de ouvir
música brasileira aqui. Mas queria aprender a sambar. "É difícil
sambar sem ouvir música brasileira", respondi a ela por e-mail.
Só mais tarde vi por que minha
irmã havia me bombardeado
com perguntas e pedidos bizarros. O Brasil era um mistério para essa californiana, em suas primeiras férias fora dos EUA. E ela
se sentia insegura de passar tanto tempo em uma terra estrangeira, com um irmão que não conhecia muito bem e que não via
há anos.
Quando ela e a filha chegaram,
suas inseguranças foram suavizadas por muitas surpresas agradáveis -seja a beleza do povo e
da paisagem, seja o costume de
cumprimentar com beijinhos,
seja o bidê. "Se os EUA são tão
desenvolvidos, por que não têm
bidê?", perguntou minha sobrinha. Tudo o que fizeram e viram
no Rio as fascinou porque era
novidade. Até ver um simples
mico-estrela foi um momento
mágico. "Não se vêem macacos
na Califórnia", disse minha sobrinha, "só no zoológico".
Como guia das duas, também
vi o Rio com novos olhos, também virei viajante. A viagem
trouxe outras revelações. Minha
irmã foi a primeira parenta que
minha mulher e meus enteados
brasileiros conheceram. Observar semelhanças entre nós -como nossa neurose em relação a
dinheiro- os ajudou a me entenderem melhor.
Eu e minha irmã notamos outras semelhanças -o modo como competimos por atenção-
que não tínhamos notado antes.
Isso aprofundou nossa compreensão de nós mesmos e do
outro e nos aproximou. E, se
pensarmos bem, não é para isso
que servem as viagens?
MICHAEL KEPP , jornalista norte-americano radicado há 25 anos no Brasil, é autor do livro de
crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e
Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)
www.michaelkepp.com.br
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