São Paulo, quinta-feira, 20 de dezembro de 2007
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Outras idéias - Dulce Critelli

Lembrando Natais

Tenho saudades dos Natais da minha infância. Pouco importavam as compras. Tinham significado a própria comemoração, a reunião para a preparação da ceia, embebedar e matar o peru, usar roupa nova e de festa, perdoar e fazer as pazes com parentes com quem porventura alguém estivesse brigado, pensar em dias melhores, mais felizes e amorosos.
Na casa da minha avó paterna, montava-se um grande presépio, com laguinho de espelho, grama, um papel especial amassado para parecer pedra e a manjedoura com a figurinha do menino Jesus, que só era descoberta à meia-noite do dia 24 de dezembro, depois da visita do Papai Noel. Na casa de minha avó materna, havia árvore enfeitada, galinha ao molho pardo, pudim. Não tinha presépio. Nós, crianças, éramos em maior número e, então, lembro-me de uma festa mais barulhenta. Entretanto, no geral, nas duas casas o principal estava em que aquele era um dia para bons sentimentos. Para crianças pequenas, Natal é Papai Noel. Um personagem que nos enchia de medo e de felicidade.


[...] POUCO IMPORTAVAM AS COMPRAS; TINHAM SIGNIFICADO A PRÓPRIA COMEMORAÇÃO, EMBEBEDAR E MATAR O PERU, USAR ROUPA DE FESTA


Tanto na casa dos avós paternos quanto na dos maternos, Papai Noel sempre aparecia para nós. Uma tia, numa casa, e um tio, na outra, nos iludiam, cheios de boas intenções. Vestiam roupa vermelha, barba, luvas, gorro, botas e tudo o mais. Desciam pelas escadas como se tivessem entrado por uma chaminé inexistente, mas para dar a impressão de que vinham do alto. Do céu? É bem verdade que eu os achava diferentes na aparência, mas o encantamento os encobria, pois tudo era mágico e fantástico. Inclusive o saco cheio de presentes. Um monte de miudezas que nos davam a alegria de termos sidos lembrados. Ninguém se importava com coisas caras.
Era costume familiar, em torno dos nossos sete anos, quando começávamos a freqüentar a escola, contar para nós que o Papai Noel, em carne e osso, não existia, mas apenas o seu espírito, o espírito do Natal. Contar essa verdade era um modo de proteger nosso contato com o mistério e de evitar que nos sentíssemos ridículos diante dos coleguinhas mais sabidos. Mas era, sobretudo, um ritual. De posse dessa revelação, crescíamos. Ficávamos menos criancinhas.
Hoje, aquelas famílias originais da minha infância já não se reúnem mais. Desdobraram-se em outras. Mesmo assim, no ano passado, a tia Olguinha nos fez uma surpresa e se vestiu de Papai Noel. Entrou pela porta da frente mesmo, tocando a campainha, e, como achava que Papai Noel devia usar óculos, na falta de outros, usou os escuros mesmo. Todos adultos, choramos de tanto rir e não abrimos mão de tirar fotos sentados no seu colo.


DULCE CRITELLI, terapeuta existencial e professora de filosofia da PUC-SP, é autora de "Educação e Dominação Cultural" e "Analítica de Sentido" e coordenadora do Existentia -Centro de Orientação e Estudos da Condição Humana

dulcecritelli@existentia.com.br

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