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Rosely Sayão
Passagem pela adolescência
"Filho criado, trabalho redobrado."
Esse conhecido
ditado popular ganha sentido quando chega a
adolescência. Nessa fase, o filho
já não precisa dos cuidados que
os pais dedicam à criança, tão
dependente. Mas, por outro lado, o que ele ganha de liberdade
para viver a própria vida resulta
em diversas e sérias preocupações aos pais.
Temos a tendência a considerar a adolescência mais problemática para os pais do que
para os filhos. É que, como eles
já gozam de liberdade para sair,
festejar e comemorar sempre
que possível com colegas e amigos de mesma idade e estão
sempre prontos a isso, parece
que a vida deles é uma eterna
festa. Mas vamos com calma
porque não é bem assim.
Se a vida com os filhos adolescentes, que alguns teimam
em considerar um fato aborrecedor, é complexa e delicada, a
vida deles também o é. Na verdade, o fenômeno da adolescência, principalmente no
mundo contemporâneo, é bem
mais complicado de ser vivido
pelos próprios jovens do que
por seus pais. Vejamos dois
motivos importantes.
Em primeiro lugar, deixar de
ser criança é se defrontar com
inúmeros problemas da vida
que, antes, pareciam não existir: eles permaneciam camuflados ou ignorados porque eram
da responsabilidade só dos
pais. Hoje, esse quadro é mais
agudo ainda, já que muitos pais
escolheram tutelar integralmente a vida dos filhos por
muito mais tempo.
Quando o filho, ainda na infância, enfrenta dissabores na
convivência com colegas ou pena para construir relações na
escola, quando se afasta das dificuldades que surgem na vida
escolar -sua primeira e exclusiva responsabilidade-, quando se envolve em conflitos, comete erros, não dá conta do recado etc., os pais logo se colocam em cena. Dessa forma,
poupam o filho de enfrentar
seus problemas no presente, é
claro, mas também passam a
idéia de que eles não existem
por muito mais tempo.
É bom lembrar que a escola
-no ciclo fundamental- deveria ser a primeira grande batalha da vida que o filho teria de
enfrentar sozinho, apenas com
seus recursos, como experiência de aprender a se conhecer, a
viver em comunidade e a usar
seu potencial com disciplina
para dar conta de dar os passos
com suas próprias pernas.
Em segundo lugar, o contexto sociocultural globalizado
atual, com ideais como consumo, felicidade e juventude eterna, por exemplo, compromete
de largada o processo de amadurecimento típico da adolescência, que exige certa dose de
solidão para a estruturação de
tantas vivências e, principalmente, interlocução. E com
quem os adolescentes contam
para conversar?
Eles precisam, nessa época
de passagem para a vida adulta,
de pessoas dispostas a assumir
o lugar da maturidade e da experiência com olhar crítico sobre as questões existenciais e
da vida em sociedade para estabelecer com eles um diálogo interrogador. Várias pesquisas já
mostraram que os jovens dão
grande valor aos pais e aos professores em suas vidas. Entretanto, parece que estamos muito mais comprometidos com a
juventude do que eles mesmos.
Quem leva a sério questões
importantes para eles em temas como política, sexualidade, drogas, ética, depressão e
suicídio, vida em família, vida
escolar, violência, relações
amorosas e fidelidade, racismo,
trabalho etc.? Quando digo levar a sério me refiro a considerar o que eles dizem e dialogar
com propriedade, e não com
moralismo ou com excesso de
jovialidade. E, desse mal, padecem muitos pais e professores
que com eles convivem.
Os adolescentes não conseguem desfrutar da solidão necessária nessa época da vida,
mas parece que se encontram
sozinhos na aventura de aprender a se tornarem adultos. Bem
que merecem nossa companhia, não?
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
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