São Paulo, quinta-feira, 21 de agosto de 2008
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OUTRAS IDÉIAS

MICHAEL KEPP


Auto-estima e suas oscilações

A auto-estima brasileira é um tema recorrente -em colunas, entrevistas e textos acadêmicos- que continua a acender debates. É alta ou baixa demais? Este povo se coloca num pedestal ou acha que não merece plataforma? As opiniões se dividem radicalmente, não só entre brasileiros mas dentro deles, em uma ambivalência interna que faz alguns parecerem esquizofrênicos.
Por exemplo, o mesmo brasileiro que diz "Deus é brasileiro" pode contar a piada em que o anjo pergunta a Deus por que ele escolheu o Brasil para ser este paraíso na Terra -sem terremotos, vulcões ou furacões. Ao que Deus retruca: "Espera até eu botar o povinho".
A maioria dos brasileiros, porém, é bem menos dividida e sente orgulho de fazer parte de um "povinho" que produz os melhores jogadores de futebol, uma música que brilha entre as melhores e o Carnaval, o maior espetáculo da Terra. Pelé e Chico Buarque são endeusados porque são a epítome dessas fontes de orgulho nacional.
Mas o orgulho nacional não aumenta necessariamente o orgulho pessoal. A maioria dos brasileiros não ganha respeito e sobrevive economicamente por se destacar, mas por ter se integrado a turmas interdependentes, seja a família, seja redes de "quem indica", seja gangues de traficantes de drogas. E essa conformidade coletiva inibe a expressão pessoal, que aumenta a auto-estima.
Em comparação, os americanos são ensinados a se destacar criativa ou intelectualmente e a ter independência financeira desde cedo. Pelo fato de a sociedade americana ser um ensopado de individualistas, e não uma sopa de tipos similares, tem excedente de auto-estima pessoal, quiçá narcisismo. Esses traços, diz o ensaísta David Foster Wallace, criaram "a geração mais egocêntrica desde Luís 14" -a fonte do complexo de superioridade americano.
O status dos EUA como poder global dominante alimenta esse complexo. E leva o Brasil, uma potência emergente, a buscar seu reconhecimento. A frase "deu no "NY Times'" mostra a importância que os brasileiros conferem a esse reconhecimento. Apesar do forte sentimento antiamericano aqui, um editorial favorável do "NYT" sobre o Brasil ainda infla o ego nacional. Mas um desfavorável dispara a indignação. Este povo, ao valorizar demais a opinião americana sobre a própria pátria, não estaria expondo um ego nacional frágil?
Nelson Rodrigues chamou essa condição de "o complexo de vira-lata". Nos anos 50, de acordo com o colunista Daniel Piza, Rodrigues criticou o cronista esportivo brasileiro que idealizava times de futebol europeus, supondo que um povo mestiço não produzisse grandes atletas. No início dos anos 70, o cronista via que sua seleção era a melhor.
Cada cultura oscila entre períodos de auto-enaltecimento e autodesvalorização. Desde a Guerra do Iraque, os americanos têm se perguntado "por que eles (quase todos os outros povos) nos odeiam?". Não é uma pergunta surpreendente, diante do narcisismo deles, mas faz americanos capazes de ver os EUA com olhar crítico se sentirem diminuídos.


MICHAEL KEPP , jornalista norte-americano radicado há 25 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)

www.michaelkepp.com.br



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