São Paulo, quinta-feira, 21 de agosto de 2008
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ALIMENTAÇÃO

Na rota das especiarias

Pesquisadores avaliam 24 tipos de tempero e constatam presença importante de polifenóis, que têm ação antioxidante; o efeito do consumo desses produtos em humanos ainda não foi confirmado

Patricia Stavis/Folha Imagem


AMARÍLIS LAGE
FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL

Um punhado de orégano, um toque de alecrim, um pouquinho de pimenta... Ou seria melhor dizer "uma pitada de antioxidantes"?
É isso o que sugere um estudo recente. Após avaliar 24 tipos de tempero, pesquisadores da Universidade da Georgia, nos EUA, constataram que, de modo geral, esses produtos são ricos em polifenóis -substâncias que têm efeito antioxidante no organismo. O cravo-da-índia está no topo da lista, seguido pela canela e pela pimenta-da-jamaica.
No trabalho, os autores defendem que esses compostos podem ter um efeito benéfico para a saúde -especialmente na inibição de processos inflamatórios, como o que ocorre no diabetes. Eles ressaltam, ainda, que os polifenóis têm sido associados à redução do risco de doenças como câncer, problemas cardiovasculares e neurodegenerativos e osteoporose.
Trata-se de uma abordagem nova, ainda com poucos estudos e cercada de controvérsias, afirma o nutricionista João Felipe Mota, que é presidente do Instituto de Nutrição e Ciências da Saúde e desenvolve uma pesquisa sobre antioxidantes na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
"Pelo que pude observar no estudo, algumas dessas especiarias são realmente riquíssimas em polifenóis", afirma Mota. Como a avaliação desses produtos foi feita in vitro (tubos de ensaio), ele diz que ainda é cedo para saber que efeito essas substâncias teriam em humanos. "Mas é uma informação nova, que traz curiosidade para investigarmos mais."
Segundo Mota, um estudo que já está sendo realizado em humanos avalia os efeitos da curcumina (um componente do açafrão) na doença de Crohn, caracterizada pela inflamação crônica do tubo digestivo. "Os dados preliminares indicam que, com o consumo da curcumina, houve uma diminuição de alguns marcadores inflamatórios", conta.
A canela também tem sido alvo de pesquisas com humanos, especialmente no que se refere ao controle do diabetes, mas os dados sobre seus benefícios para a saúde são divergentes.
A nutricionista Ana Mara de Oliveira e Silva, que defendeu em maio dissertação de mestrado sobre a atividade antioxidante do alecrim em ratos, diz que se trata de uma área incipiente, com poucos trabalhos em seres humanos.
"Mas as especiarias têm se mostrado muito promissoras, com quantidades superiores de compostos fenólicos em relação a outros alimentos que são estudados no nosso laboratório há 20 anos", diz ela, que continua os estudos com o mesmo tempero, agora no doutorado, no laboratório de lípides do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP (Universidade de São Paulo).
No estudo de Silva, ratos diabéticos receberam extrato aquoso de alecrim e tiveram redução do percentual de hemoglobina glicada (ligação de glicose com proteína, que pode gerar respostas inflamatórias), aumento da atividade das enzimas antioxidantes, além de diminuição nos teores de triglicerídeos e no colesterol total.
No mesmo departamento, outros estudos identificaram ação antioxidante em especiarias como canela, mostarda e erva-doce. Para o professor titular Jorge Mancini Filho, responsável pelo laboratório, os resultados sugerem que essas especiarias possam vir a ser consideradas alimentos funcionais. "Os compostos fenólicos impedem a formação de radicais livres e, com isso, ajudam a prevenir o aparecimento de doenças. Um exemplo é a dieta mediterrânea, que, apesar de conter quantidade elevada de lipídeos, tem também muitos vegetais, frutas, azeite e vinho, ricos em antioxidantes. É isso que a torna saudável."
A química Giuseppina Negri, pesquisadora do Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas), da Unifesp, que fez um estudo sobre plantas que baixam a glicemia, acredita que as especiarias seriam mais bem aproveitadas para ajudar pessoas doentes se estivessem na forma de fitoterápicos do que in natura, como alimento. "Não basta comer um quilo de canela, tem que ver qual é a quantidade de princípio ativo necessária para cada nível de diabetes. Isso é mais fácil de controlar num fitoterápico. E tem que ser com acompanhamento médico."
Ela lembra que nenhum tempero deve ser usado como substituto de remédios e que deve-se ter cuidado com exageros. "Não é porque é natural que não tem problema. Tudo em excesso pode ser prejudicial."

"Longe da realidade"
De acordo com a endocrinologista Vivian Ellinger, diretora de cursos da regional da Sbem (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) no Rio de Janeiro, o uso de especiarias para prevenir ou tratar doenças é, por enquanto, algo "longe da realidade".
"Uma coisa é fazer experiência in vitro, onde aquelas substâncias estão puras. A mistura com outros ingredientes e o preparo, como o cozimento, podem modificar seu efeito", afirma Ellinger.
Além disso, explica ela, a quantidade de especiarias que utilizamos no preparo de receitas é, de modo geral, muito pequena e isso deve ser levado em consideração quando se pensa nos possíveis efeitos benéficos desses produtos.
E, mesmo que a quantidade de antioxidantes presentes em ervas e pimentas seja alta, isso também não garante que o consumo excessivo desses produtos gere bons resultados. Um exemplo é a vitamina E: um levantamento realizado nos EUA mostrou que as pessoas que tomavam suplementos da vitamina, conhecida por seu poder antioxidante, apresentavam um risco maior de desenvolver câncer de pulmão.

Alternativa para o sal
Mas os especialistas vêem grandes vantagens no uso das especiarias quando o objetivo é reduzir o consumo de sal. "Quem tem diabetes geralmente se preocupa em tirar o açúcar e não pensa em diminuir também o consumo de sal e de gordura. Só que o diabetes, principalmente o tipo 2 [associado à presença de gordura abdominal], está intimamente relacionado à hipertensão", afirma a endocrinologista da Sbem.
A resistência à insulina aumenta a vasoconstrição e, com os vasos sangüíneos mais estreitos, a pressão arterial se eleva, explica Ellinger. Segundo ela, cerca de 80% dos diabéticos também são hipertensos, e a maioria das complicações do diabetes ocorre no sistema circulatório.
O cardiologista Hilton Chaves, secretário-executivo da SBH (Sociedade Brasileira de Hipertensão) e professor de cardiologia da Universidade Federal do Pernambuco, reforça a importância do uso de ervas e de outros tipos de tempero no lugar do sal. "O cloreto de sódio tem um efeito direto na elevação da pressão arterial, que, por sua vez, é um fator de risco para o AVC (acidente vascular cerebral) e para as insuficiências cardíaca e renal."
Para reduzir o uso do ingrediente sem deixar a comida insossa, ele costuma recomendar a seus pacientes o uso da salsinha, da cebolinha e do limão -este último, por sua acidez, "confunde" o paladar, dando a impressão de que o alimento está mais salgado.
É preciso, porém, estar atento aos rótulos dos temperos industrializados (como os preparados para temperar carnes ou arroz), afirma, pois eles podem conter níveis muito altos de sal.
"As pessoas passaram a consumir muitos alimentos industrializados, que têm poucos componentes antioxidantes. E o que se usa para dar sabor são temperos também industrializados, que têm poucos nutrientes e muito sal", afirma Mota.


[!] A RECEITA NO LABORATÓRIO
Quando há excesso de açúcar no sangue, como no diabetes, há mais reações de glicose com proteínas, o que pode levar a inflamações. Para avaliar a ação das especiarias no processo, cientistas misturaram os polifenóis com proteína e açúcar. Os polifenóis reagiram antes com proteínas, evitando a conexão delas com o açúcar. Isso evitou o processo inflamatório. Ainda não se sabe o efeito no corpo humano.



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