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beleza
Cosméticos verdes
Produtos de beleza orgânicos prometem ser mais suaves e seguros, mas será que são mesmo? Especialistas questionam a novidade
AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL
Nem só de frutas e verduras vive agora o
mundo dos produtos
orgânicos. Na segunda onda que impulsiona o setor,
a categoria passa a incluir mel,
bebidas, remédios, tecidos e artesanato. Liderando essa diversidade, uma nova vedete: os
cosméticos orgânicos.
Não se trata de cremes caseiros ou da já tradicional estratégia de cobrir os olhos com rodelas de pepino "cultivados organicamente". Nada disso.
São hidratantes, óleos e loções feitos com ingredientes
naturais, embalados em recipientes recicláveis e vendidos
por um preço acima da média,
com a promessa de mais suavidade e menos risco à saúde.
O mercado é recente e ainda
carece de regulamentação -ao
contrário do que ocorre com os
alimentos, cujas normas para a
produção orgânica são definidas pelos governos, nenhum
país tem regras oficiais para definir o que é ou não um cosmético orgânico. Por isso, os critérios variam de acordo com a
certificadora.
A tendência, porém, é que as
regras para a produção de cosméticos orgânicos sejam cada
vez mais parecidas, já que as
certificadoras têm buscado
uma harmonização, afirma Vanice Dazzo Schmidt, da Ecocert. A certificadora francesa
foi uma das primeiras a criar
um selo específico para cosméticos, em 2003, e hoje busca padronizar suas as regras com a
certificadora alemã BDIH.
Entre os consensos que já
norteiam o setor estão a não-aceitação de testes em animais
e do uso de material transgênico, por exemplo.
O critério mais polêmico, porém, é o que toca no ponto mais
óbvio da questão: um cosmético orgânico tem de contar com
ingredientes orgânicos. Mas
em que quantidade?
Algumas certificadoras oferecem selos para produtos com
5% ou 10% de ingredientes orgânicos. Outras, como o IBD
(Instituto Biodinâmico), só
certificam como orgânicos produtos com pelo menos 95% de
ingredientes nessa categoria.
"Colocar menos que isso e
chamar de orgânico é um desserviço. É enganar o consumidor", afirma o agrônomo José
Pedro Santiago, representante
do IBD em São Paulo.
"Alguns usam um pouco de
orgânicos só como marketing",
afirma Falk Weltzien, diretor-geral da Cassiopéia, que fabrica
cosméticos orgânicos.
Para Maria Beatriz Martins
Costa, diretora do portal Planeta Orgânico e da feira BioFach
(que é destinada a orgânicos e
será realizada em São Paulo,
em outubro), problemas desse
tipo existem há muito tempo e
dependem de um posicionamento oficial. "O governo precisa se envolver e definir quais
produtos são orgânicos."
A Anvisa (Agência Nacional
de Vigilância Sanitária), porém, ainda não planeja fazer
uma regulamentação especial
para esse tipo de cosméticos.
Preço
Sejam as certificadoras mais
ou menos restritivas, o fato é
que as exigências ligadas à fabricação acabam fazendo com
que o cosmético orgânico seja
bem mais caro que os demais.
Essa diferença pode significar um aumento de até 70% no
preço final, segundo Silvana
Kitadai Nakayama, gerente de
pesquisa e desenvolvimento da
Valmari, empresa que está lançando sua primeira linha de
cosméticos com orgânicos.
"Tivemos que importar noni
orgânico da França. Custou
quase 40% a mais do que um
extrato normal. Como conservantes, tivemos que trazer
plantas com características
germicidas da Índia. Tudo isso
encarece o produto." A linha
ainda não tem o selo de nenhuma certificadora. Com a certificação, diz Nakayama, o preço
sobe novamente -desta vez,
em quase 30%.
Isso, segundo ela, faz com
que muitas empresas ofereçam
produtos não-certificados.
"Muita gente dá preferência
aos orgânicos se a diferença de
preço não for muito grande. Se
o produto for muito mais caro,
elas compram o convencional."
Mas, segundo Costa, do Planeta Orgânico, a tendência é
que esses cosméticos fiquem
cada vez mais baratos. "É a lei
da oferta e da procura", afirma.
A oferta ainda não é muito
grande, mas tem crescido. Neste ano, a BioFach terá dez expositores de cosméticos orgânicos. Em 2003, foram dois.
Fora do país, esse crescimento é ainda maior. O setor de cosméticos orgânicos vai ganhar,
no ano que vem, sua primeira
feira especializada, a Vivaness,
na Alemanha (www.vivaness.de). A expectativa é que
ela reúna 2.100 expositores e
atraia 37 mil visitantes -em
geral, gente que já consome alimentos orgânicos, separa o lixo
para reciclagem e busca tratamentos de saúde alternativos.
"Nos mercados europeu e japonês, os consumidores querem cosméticos que não causem mal à saúde, com ingredientes puros", diz Fernando
Lima, sócio da empresa Florestas, de produtos orgânicos.
Promessas
De acordo com fabricantes,
os cosméticos orgânicos são
mais suaves e causam menos
alergias, já que não usam corantes e fragrâncias sintéticos.
Mas especialistas ouvidos pela
Folha discordam.
De acordo com a dermatologista Mônica Azulay, professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), "qualquer substância pode sensibilizar o organismo", seja ela sintética ou natural. "São comuns os
casos de gente que usa uma
planta, como a aroeira, para
tratar um problema de pele e
tem uma reação alérgica."
Já a "suavidade" pode não ser
desejável em todos os casos, diz
Denise Steiner, presidente da
Comissão de Ensino da Sociedade Brasileira de Dermatologia. "Um creme antienvelhecimento, por exemplo, mexe
mais na pele, tem um certo grau
de acidez e pode usar um antioxidante mais potente. Não interessa que ele seja suave."
Outra propagada vantagem
dos orgânicos, segundo os participantes do setor, é que eles
não possuem algumas substâncias que seriam nocivas a saúde. O trio vilão, presente nos
cosméticos convencionais, seria formado por parabenos, ftalatos e lauril sulfato de sódio.
Os parabenos estão na base
daquela idéia de que desodorantes poderiam estimular o
câncer de mama.
Segundo o Inca (Instituto
Nacional do Câncer), os parabenos realmente são substâncias cancerígenas, mas não há
nenhuma evidência que sustente uma relação entre os desodorantes e a doença. Existe
um estudo que encontrou parabenos em tumores, mas o trabalho, segundo o Inca, foi muito questionado por falta de rigor científico.
Azulay ressalta que a maioria
das empresas de cosméticos
atualmente não usa parabenos
em seus produtos.
Já o ftalato realmente pode
"mimetizar" o estrogênio, hormônio sexual feminino, e estimular o crescimento da mama,
segundo a dermatologista Ana
Maria Pinheiro, professora da
UNB (Universidade de Brasília). Entretanto, diz ela, produtos orgânicos não estão livres
desse risco. "A soja é um ingrediente natural que tem fitoestrógenos e poderia ter os mesmos efeitos", afirma.
O terceiro inimigo dos orgânicos, o lauril sulfato de sódio, é
um tensoativo utilizado em
xampus devido a suas propriedades detergentes e à capacidade de produzir espuma.
Segundo Fernando Lima, da
Florestas, ele é muito agressivo
e pode irritar o couro cabeludo.
Mas circulam pela internet
acusações bem mais graves
contra o produto, como o seu
potencial cancerígeno.
A Anvisa chegou a montar
um grupo com membros da
Ctac (Comissão Técnica de Assessoramento na Área de Cosméticos) para emitir um parecer baseado em dados científicos. Não foram encontradas
publicações sugerindo que essas substâncias podem levar a
algum tipo de câncer.
"Hoje em dia, estamos inseguros e desconfiados de tudo e
gostaríamos que a vida fosse
mais simples", avalia o dermatologista Jayme de Oliveira Filho, coordenador do departamento de cosmiatria da Sociedade Brasileira de Dermatologia. "Algumas palavras vendem
essa idéia, como "natural" e "orgânico", mas as pessoas têm que
observar se não estão comprando apenas isso: palavras."
Modelo da capa: Joana Gatis, 29, estilista
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