São Paulo, terça-feira, 21 de setembro de 2010
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NEURO

SUZANA HERCULANO-HOUZEL - suzanahh@gmail.com

Cinto de segurança para o cérebro


Um trauma deixa o cérebro como uma rede de computadores que funcionam, mas não trocam informações

MINHA AVÓ nos levava no carro, crianças, sem cinto de segurança. Quando ela quis fazer o mesmo com a neta e não deixei, protestou: "Mas eu sempre levei vocês assim e nunca aconteceu nada!". De fato -mas por pura sorte.
O cinto de segurança evita que a pancada inicial de uma colisão leve a uma segunda pancada (contra os vidros do carro, por exemplo), a uma terceira, ou mais. Nisso, protege o cérebro de danos visíveis -os que causam sangramento externo ou só interno- e de invisíveis também.
A concussão, um trauma causado por pancada ou aceleração forte, muitas vezes não deixa traços aparentes ao exame de imagem do cérebro. Ainda assim, pode causar danos cognitivos permanentes.
Douglas Smith, pesquisador da Universidade da Pensilvânia que esteve no Brasil este mês em um congresso de neurociência, explica a razão do estrago invisível: a quebra de fibras na substância branca que interconectam as várias partes do cérebro. O resultado é equivalente a uma rede de computadores que ainda funcionam, mas que não mais trocam informações uns com os outros.
Embora as fibras da substância branca sejam bastante elásticas, elas se partem quando estiradas muito rápido -por exemplo, quando o cérebro recebe uma pancada de lado. Enquanto uma metade do cérebro é mantida no lugar pela meninge que separa os dois hemisférios, a outra é projetada para o lado, distendendo a substância branca profunda.
Quanto maior é a aceleração, maior é a extensão do dano, conforme mais fibras se partem. O tipo de dano cognitivo, que pode chegar à perda de consciência e ao coma, depende do local lesionado -o que, por sua vez, depende do eixo da pancada ou aceleração.
Cinto de segurança eu sempre uso, mas não dispenso uma montanha-russa -e acabei de passear em várias com minha filha mais velha.
Momento de pânico: teria eu colocado em risco seu cérebro, e o meu junto?
Douglas garante que não: seu próprio filho se ofereceu para passear com um acelerômetro em várias delas, e a aceleração sofrida não é maior do que a correspondente a pular de uma cadeira -ou seja, pequena demais para causar lesões. Que alívio. E o especialista emenda: para visitar um parque de diversões sem riscos para seu cérebro, a melhor medida é... usar o cinto de segurança em seu carro até chegar lá, e na volta também.


SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blog www.suzanaherculanohouzel.com


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