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S.O.S. família - Anna Verônica Mautner
Na dança dos ritmos
Não sei como se poderia transmitir diretamente às crianças
uma mensagem que
me parece cada dia mais necessária e oportuna. Vivemos pressionados pela concomitância
de um sem-número de universos rítmicos, obrigando-nos a
readaptações para que possamos acompanhar o tempo do
funcionamento telefônico, do
zapping na televisão, da chama
do fogão, da velocidade com
que lemos, do ritmo em que
respiramos etc. Como educar
para que essa pressão não seja
insuportavelmente insalubre?
Não se trata só de uma diferença entre animados e inanimados. O tempo das plantas e o
dos animais também diferem
entre si e, assim como nós, eles
também não são capazes, felizmente, de se adaptarem a cada
invenção que aparece e que
obriga obediência a velocidades
externas a nós. Os ciclos de vida
passam por mutações, mas isso
ocorre lentamente. Nada parecido com o lançamento de celulares, de TVs e de outras obras
tecnológicas.
Vivendo como vivemos, no
meio desses estímulos todos,
senti necessidade de um oásis
onde pudesse ficar em harmonia e previsibilidade.
No meu apartamento, criei
um terraço/estufa onde flores e
folhagens são benquistas. Algumas plantas de jardim entram
na moda enquanto outras vão
saindo. Não sei a que critérios
essas mudanças obedecem,
mas que "los hay los hay", e assim é a vida.
Ladrilhei um pedaço da sala
rente a uma grande janela e lá
coloquei meus quase inúmeros
vasos. Faço questão de não
comprar plantas, prefiro ganhar mudas ou catá-las pelo
mundo. Usar sementes também me agrada.
Tenho melindres, cujas mudas não sei donde vieram, mas
que vivem felizes, apesar de terem se tornado raras pelo mundo afora. Minhas avencas viram
praga, dão em todos os vasos,
espalhando-se. Por algum motivo secreto, não tenho mais samambaia de metro. Tenho um
pouco de renda portuguesa e
também azaléias cujas flores
enfeitam meus invernos. Tenho ainda capim-limão, para
fazer chá no tempo de frio. Não
falta mirra, que deixa no ar um
discreto cheiro de sacristia.
Nos mesmos quatro metros,
vivem bromélias, pelas quais
nem sou muito apaixonada,
mas que, já que lá estão, ficam.
Entre elas, há algumas especiais, às quais me aplico para fazê-las se multiplicarem. São
rasteiras e cor-de-rosa. Não sei
de onde trouxe a primeira, hoje
já são mais de dez.
Desconheço o nome de uma
porção de outras plantas que
trouxe das muitas serras e estradas por onde parei o carro só
para catá-las. Nesses meus quatro metros, mandam elas, as
plantas. Eu apenas cuido, observo e obedeço. O ritmo nada
tem a ver com a vida de eletrônicos, digitais ou analógicos
que me rodeiam.
Minhas plantas constituem
meu contraponto à modernidade que me soterra. Quisera que
as crianças vivessem conscientemente essas rupturas e que
pudessem aprender a perceber
que ilhas de harmonia são possíveis e podem ser criadas.
Um dos exercícios comuns
que as escolas proporcionam
para as crianças é a famosa
plantinha de feijão no algodão.
Aí podem observar como germina e se transforma semente
em planta e, tendo paciência,
em uma nova semente. Em outras escolas, fazem-se pequenas hortas e jardins. Essas são
práticas antigas -já existiam
no meu tempo! Sugiro que hoje
a ênfase seja em mostrar que,
assim como a planta é autônoma e independente das mudanças tecnológicas, nós também
podemos sê-lo até certo ponto.
Para a nova geração, não basta
admirar o milagre da natureza,
é preciso apontar que nós também, como ela, podemos resistir. E viva a biodiversidade dos
ritmos do mundo!
ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed.
Ágora)
amautner@uol.com.br
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