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São Paulo, quinta-feira, 22 de maio de 2003
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s.o.s família - rosely sayão

Pais assumem tudo, e filhos se acomodam

Um garoto de 17 anos pediu à mãe que vendesse a casa simples -conseguida com bastante sacrifício e luta- em que a família mora para, com o dinheiro obtido, comprar a moto que ele tanto quer, e ela está na dúvida se deve ou não atender ao pedido do filho. Um rapaz de 24 anos decidiu casar-se. Sem independência financeira, pediu aos pais para administrar o negócio da família -sem ter experiência- para ter como arcar com o custo de uma vida familiar. Os pais não sabem se cedem essa oportunidade ao filho ou se o encorajam a arrumar um emprego e a se virar como puder.
Os professores de crianças e de adolescentes conhecem bem o começo dessa história: as escolas vivem cheias de pais interessados em dialogar com os mestres na tentativa de resolver problemas escolares ou de convivência no espaço escolar, principalmente quando não concordam com a posição adotada pela escola ou quando não acreditam que o filho consiga resolver sozinho a situação problemática.
Pois é: o que, à primeira vista, parece ser dedicação, preocupação, presença firme e amorosa dos pais na vida do filho acaba se transformando em algo bem diferente. Em quê? Os primeiros exemplos que citei dão uma pista preciosa: os pais se sentem responsáveis pela vida do filho, mesmo quando ele já tem -ou deveria ter- condições de arcar sozinho com ela. E os filhos se acomodam perfeitamente a essa situação.
Uma jovem de 25 anos, formada e com profissão definida, escreveu dizendo que não consegue construir sua vida de mulher adulta porque, às vezes, gostaria de agir de um modo que sabe que os pais não aprovariam e não consegue. E isso acontece mesmo com ela morando em local bem distante deles. O motivo? Ela conta que, para fazer uma especialização, pediu ajuda financeira aos pais e, agora, acredita que precisa ser como eles querem que seja. A situação dela não começou bem parecida com a do adolescente que quer ganhar a moto dos pais -a qualquer custo- e a do jovem que quer que o emprego que dê sustento à família que quer formar venha dos pais?
Como diz uma educadora que conheço, os alunos precisam aprender a lutar suas próprias lutas, mas os pais, desde muito cedo, colocam-se no meio do caminho. Querem amparar, querem proteger, querem poupar, querem justiça, querem que o filho seja compreendido, querem encontrar caminhos; querem e buscam, enfim, o que julgam ser o melhor para os filhos, sem medir esforços. Mas acabam por lutar as lutas que são deles. E isso não prepara os filhos para enfrentar esse mundo. Não prepara e, além disso, atrapalha.
Educar é uma tarefa árdua, mas conquistar a vida também é. Esta última é a tarefa dos filhos que se preparam principalmente pela educação -com família e escola- para viver a vida por conta própria. Por conta própria!
Não dá para saber o que é mais difícil: educar ou aprender a viver. O fato é que ambos provocam sofrimento. Quem tem filhos na puberdade sabe: chega uma hora em que muitos reclamam de dor nas pernas, dor nos joelhos. Quando levados ao médico, a explicação em geral é simples: é a dor do crescimento.
Crescer dói. Querer algo e perceber que é preciso batalhar para consegui-lo e conquistá-lo é difícil: exige esforço, dedicação, empenho, tenacidade. E nem sempre o resultado é positivo. Muitas vezes, o esforço não é recompensado ou não vale a pena. Assim é a vida e, se os pais querem deixar os filhos mais preparados -mesmo sem garantia alguma de que vá dar certo-, é preciso que aprendam a suportar a dor que eles sentem. Educar não é viver por eles, fazer por eles, conquistar para eles.
Claro que os pais podem ser generosos -compartilhar com os filhos o que têm e o que conquistaram- sem que isso signifique assumir o lugar deles no jogo da vida. Mas nem sempre isso é fácil. Parece que, em educação, atingir o equilíbrio é sempre difícil. Mas vale a pena -no sentido exato da expressão- tentar.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br.


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