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s.o.s família - rosely sayão
Pais assumem tudo, e filhos se acomodam
Um garoto de 17 anos pediu à mãe que vendesse a casa simples -conseguida com
bastante sacrifício e luta- em que a família
mora para, com o dinheiro obtido, comprar a
moto que ele tanto quer, e ela está na dúvida se
deve ou não atender ao pedido do filho. Um
rapaz de 24 anos decidiu casar-se. Sem independência financeira, pediu aos pais para administrar o negócio da família -sem ter experiência- para ter como arcar com o custo
de uma vida familiar. Os pais não sabem se cedem essa oportunidade ao filho ou se o encorajam a arrumar um emprego e a se virar como puder.
Os professores de crianças e de adolescentes
conhecem bem o começo dessa história: as escolas vivem cheias de pais interessados em
dialogar com os mestres na tentativa de resolver problemas escolares ou de convivência no
espaço escolar, principalmente quando não
concordam com a posição adotada pela escola
ou quando não acreditam que o filho consiga
resolver sozinho a situação problemática.
Pois é: o que, à primeira vista, parece ser dedicação, preocupação, presença firme e amorosa dos pais na vida do filho acaba se transformando em algo bem diferente. Em quê? Os
primeiros exemplos que citei dão uma pista
preciosa: os pais se sentem responsáveis pela
vida do filho, mesmo quando ele já tem -ou
deveria ter- condições de arcar sozinho com
ela. E os filhos se acomodam perfeitamente a
essa situação.
Uma jovem de 25 anos, formada e com profissão definida, escreveu dizendo que não consegue construir sua vida de mulher adulta
porque, às vezes, gostaria de agir de um modo
que sabe que os pais não aprovariam e não
consegue. E isso acontece mesmo com ela morando em local bem distante deles. O motivo?
Ela conta que, para fazer uma especialização,
pediu ajuda financeira aos pais e, agora, acredita que precisa ser como eles querem que seja. A situação dela não começou bem parecida
com a do adolescente que quer ganhar a moto
dos pais -a qualquer custo- e a do jovem
que quer que o emprego que dê sustento à família que quer formar venha dos pais?
Como diz uma educadora que conheço, os
alunos precisam aprender a lutar suas próprias lutas, mas os pais, desde muito cedo, colocam-se no meio do caminho. Querem amparar, querem proteger, querem poupar, querem justiça, querem que o filho seja compreendido, querem encontrar caminhos; querem e buscam, enfim, o que julgam ser o melhor para os filhos, sem medir esforços. Mas
acabam por lutar as lutas que são deles. E isso
não prepara os filhos para enfrentar esse mundo. Não prepara e, além disso, atrapalha.
Educar é uma tarefa árdua, mas conquistar a
vida também é. Esta última é a tarefa dos filhos
que se preparam principalmente pela educação -com família e escola- para viver a vida por conta própria. Por conta própria!
Não dá para saber o que é mais difícil: educar ou aprender a viver. O fato é que ambos provocam sofrimento. Quem tem filhos na
puberdade sabe: chega uma hora em que muitos reclamam de dor nas pernas, dor nos joelhos. Quando levados ao médico, a explicação
em geral é simples: é a dor do crescimento.
Crescer dói. Querer algo e perceber que é
preciso batalhar para consegui-lo e conquistá-lo é difícil: exige esforço, dedicação, empenho,
tenacidade. E nem sempre o resultado é positivo. Muitas vezes, o esforço não é recompensado ou não vale a pena. Assim é a vida e, se os
pais querem deixar os filhos mais preparados
-mesmo sem garantia alguma de que vá dar
certo-, é preciso que aprendam a suportar a
dor que eles sentem. Educar não é viver por
eles, fazer por eles, conquistar para eles.
Claro que os pais podem ser generosos
-compartilhar com os filhos o que têm e o
que conquistaram- sem que isso signifique
assumir o lugar deles no jogo da vida. Mas
nem sempre isso é fácil. Parece que, em educação, atingir o equilíbrio é sempre difícil. Mas vale a pena -no sentido exato da expressão- tentar.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br.
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