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A função sexual muda com a maturidade; a resposta aos
estímulos, por exemplo, é mais lenta, mas o prazer permanece
A pessoa nasce, cresce e morre com a sexualidade
Luciana Cavalcanti/Folha Imagem
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"Ela brigava comigo porque
eu falhei duas ou três vezes,
achava que eu tinha outra.
Não conseguia entender que
havia uma mudança física"
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Joselino Santos, 70, casado há 51 anos
(foto acima)
BELL KRANZ
EDITORA DO EQUILÍBRIO
-A senhora é casada, solteira, viúva?
- Fui casada duas vezes. O segundo foi melhor que o primeiro.
Eu queria o terceiro, acontece que, quando aparece, é trambolho.
Se eu tivesse um companheiro, iria num baile, num cinema.
- E não dá para ir com amiga?
- Mas não é igual, né? Queria um companheiro para conversar, jogar baralho.
- E fazer sexo, dá vontade?
- Dá, de vez em quando. Sexo não tem
idade, é uma coisa da natureza.
Nem todo mundo no auge da maturidade fala de sexo com essa tranquilidade
da dona Diva Müller, 75 anos, pensionista. Muito preconceito de todo o lado ajuda a manter o mito de que a velhice é, por
princípio, assexuada.
No início deste mês, uma pesquisa sobre o assunto feita nos EUA, no Canadá,
na Austrália e na Nova Zelândia foi apresentada no encontro anual da Associação
Americana de Urologia, em Chicago,
rendendo o seguinte comentário do seu
autor: "Nós pensávamos que a frequência sexual não seria muito alta entre as
pessoas de idade, mas, na verdade, isso
foi surpreendentemente comum".
Surpreendente mesmo é tal comentário ser feito hoje, 40 anos depois que os
primeiros estudos, feitos pela dupla Masters e Johnson, desmistificaram o idoso
assexuado.
A função sexual nunca acaba. "A gente
nasce, cresce e morre com a nossa sexualidade", diz Tânia das Graças Mauadie
Santana, ginecologista e terapeuta sexual
do Hospital Pérola Byington (SP). O que
acontece é que ela muda com o tempo, fica diferente com o envelhecimento. Mais
uma vez, como diz dona Diva, é da natureza.
No caso do brasileiro, a natureza parece
ter dado uma mãozinha extra. O maior e
mais recente estudo brasileiro sobre o
comportamento sexual do brasileiro, feito com 850 pessoas, 60% casados, mostra
que, a partir dos 60 anos, os casais saudáveis mantêm, em média, duas a três relações sexuais por semana.
Se há problemas na saúde sexual, o número cai para cerca de uma vez por semana. A mesma média dos europeus na
faixa dos 40, 50 anos de idade, diz a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora da
pesquisa e do ProSex (Projeto Sexualidade), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (SP).
Mas homens e mulheres ainda esbarram em muito preconceito. "Um homem
mais velho que tem uma função sexual
desempenhada de forma satisfatória é até
considerado um "disfuncional", no sentido de tarado", diz Santana.
Não existe padrão de comportamento
sexual por faixa etária. A intensidade e a
qualidade da resposta sexual mudam
com a idade, mas variam conforme a pessoa. A sexualidade está vinculada não
apenas à parte biológica, mas também a
questões socioculturais e psicológicas.
"A mulher de 50 a 65 anos,
viúva ou desquitada, está
num mato sem cachorro. Foi
estimulada a praticar sexo,
quer praticar e gosta disso,
está disposta e disponível,
mas falta parceiro"
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Maria Celia de Abreu, psicoterapeuta
dedicada à meia-idade
Existe, por exemplo, a viúva como a
aposentada Wilma Scuriatti, 73, uma
mulher bonita, que teve "uma vida boa
com o marido em todos os sentidos" durante os 47 anos de casamento. Quando
perguntada sobre a possibilidade de um
novo romance, ela responde, com os
olhos embargados: "Não estou preparada ainda". Ou ainda a esportista Therezinha Mastrorocco Yasuoko, 67, que, em
constante atividade nos campeonatos de
tênis do Torneio das Damas, nem pensa
em outra história depois do marido romântico que teve. "Para comemorar as
datas importantes, viajávamos ou fazíamos reserva no motel, e ele contratava
um fotógrafo para registrar nossos lances -não os eróticos, mas os momentos
românticos", conta.
Há ainda a turma que perdeu o desejo
sexual e quer reavê-lo de todo jeito.
Também são comuns aqueles idosos
que são tomados por um desejo tremendo, mas não têm parceiro. Assim satisfazem a necessidade por meio da auto-estimulação, mas carregando uma montanha de culpa.
A mulher de 50 a 65 anos, por exemplo, viúva ou desquitada, "está num mato sem cachorro", diz Maria Celia de
Abreu, psicoterapeuta dedicada à meia-idade. Essa geração pioneira, segundo
ela, a primeira a consumir a pílula, foi estimulada a praticar sexo, quer praticar e
gosta disso, está disposta e disponível,
mas falta parceiro. "O mercado é pequeno: ou eles estão casados ou já morreram", diz Abreu.
Outras vão se fechando ou se tornando
ridículas, diz ela, voltando a usar minissaia estilo Mary Quant e fazendo operações plásticas excessivas, que as deixam
desfiguradas, como um jeito de tentar
"fisgar" os mais jovens.
A falta de conhecimento sobre as novas formas de reação do corpo -o próprio ou o do velho companheiro de estrada- é capaz de abalar a vida da pessoa ou até o casamento.
A disfunção erétil, principal queixa
masculina, pode facilmente ser interpretada de forma injusta pela parceira. O
engenheiro aposentado Joselino Santos,
70, casado há 51, passou por esse drama.
"Ela brigava comigo porque eu falhei
duas ou três vezes, achava que eu tinha
outra. Não conseguia entender que havia uma mudança física", diz. Algumas
fazem o contrário: remoem-se de culpa
porque eles não têm ereção com elas.
Impressionante também é a culpa da
mulher que não se perdoa pelo corpo ter
envelhecido e, muitas, fica sem coragem
de tirar a roupa para o novo homem ou
até para o parceiro.
Seja qual for a dificuldade, "tem de assumir que é uma pessoa diferente", diz
Santana. No quesito estética, por exemplo, a natureza -ela de novo- protege
a mulher. E como? Engordando a quarentona.
Depois da menopausa, explica a ginecologista, o organismo fabrica mais androgênios (hormônios masculinos), os
quais são anabolizantes. A mulher então
ganha peso, e, nessa gordura, o androgênio é transformado em estrona, que vai
substituir o estradiol -um dos hormônios femininos.
"A estrona é menos ativa, mas em
grande quantidade vai funcionar igualmente. Você continua com a pele esticada, mantém a lubrificação vaginal", explica Santana. Mas a idéia não é que a
mulher caia de boca na comida e sim
cuidar-se para não virar obesa nem entrar na onda do padrão esquálido fashion, porque magreza demais, nessa fase, é sinal de estrona de menos.
"Mas nada é falado. Quem tem a sorte
de ter um companheiro animado vai se
adaptando às mudanças. Quem não tem
se fecha por causa da censura", diz
Abreu. Aliás, até no ambiente mais apropriado para levar dúvidas sobre a expectativa de vida sexual, o consultório do
médico, eles baixam a bola -o paciente e
até o doutor. "Temos colegas da área que
têm dificuldade de falar sobre o assunto
com o paciente", reconhece o diretor do
Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas, Wilson Jacob Filho. E ele lembra a sabedoria das palavras de um especialista na
área: "Ninguém consegue falar da sexualidade do outro se não estiver à vontade com
a própria sexualidade".
O idoso deve saber que as queixas nessa
área são tão importantes quanto problemas de locomoção ou digestão, por exemplo. Entre os sintomas mais comuns do
idoso, três deles podem facilmente estar relacionados a uma disfunção sexual: dores
pelo corpo, desânimo pela vida e perda de
memória.
Isso não significa que a sexualidade tem
de ser imposta, porque senão surge outro
problema e bem comum. A mentalidade de
que é obrigatório ser ativo a vida inteira
prostra o sujeito. Aos pacientes que se sentem pressionados pela falta de interesse em
sexo, Jacob aconselha: "O que deve orientá-lo é o seu prazer, não o dos outros".
Se quiser manter-se sexualmente ativo, tem de cuidar da saúde e investir nas adaptações para tirar proveito dessa fase da vida. É a natureza, de novo, que exige.
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