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São Paulo, quinta-feira, 22 de maio de 2003
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A função sexual muda com a maturidade; a resposta aos estímulos, por exemplo, é mais lenta, mas o prazer permanece

A pessoa nasce, cresce e morre com a sexualidade

Luciana Cavalcanti/Folha Imagem


"Ela brigava comigo porque eu falhei duas ou três vezes, achava que eu tinha outra. Não conseguia entender que havia uma mudança física"
Joselino Santos, 70, casado há 51 anos (foto acima)

BELL KRANZ
EDITORA DO EQUILÍBRIO

-A senhora é casada, solteira, viúva? - Fui casada duas vezes. O segundo foi melhor que o primeiro. Eu queria o terceiro, acontece que, quando aparece, é trambolho. Se eu tivesse um companheiro, iria num baile, num cinema. - E não dá para ir com amiga? - Mas não é igual, né? Queria um companheiro para conversar, jogar baralho. - E fazer sexo, dá vontade?
- Dá, de vez em quando. Sexo não tem idade, é uma coisa da natureza.
Nem todo mundo no auge da maturidade fala de sexo com essa tranquilidade da dona Diva Müller, 75 anos, pensionista. Muito preconceito de todo o lado ajuda a manter o mito de que a velhice é, por princípio, assexuada.
No início deste mês, uma pesquisa sobre o assunto feita nos EUA, no Canadá, na Austrália e na Nova Zelândia foi apresentada no encontro anual da Associação Americana de Urologia, em Chicago, rendendo o seguinte comentário do seu autor: "Nós pensávamos que a frequência sexual não seria muito alta entre as pessoas de idade, mas, na verdade, isso foi surpreendentemente comum".
Surpreendente mesmo é tal comentário ser feito hoje, 40 anos depois que os primeiros estudos, feitos pela dupla Masters e Johnson, desmistificaram o idoso assexuado.
A função sexual nunca acaba. "A gente nasce, cresce e morre com a nossa sexualidade", diz Tânia das Graças Mauadie Santana, ginecologista e terapeuta sexual do Hospital Pérola Byington (SP). O que acontece é que ela muda com o tempo, fica diferente com o envelhecimento. Mais uma vez, como diz dona Diva, é da natureza.
No caso do brasileiro, a natureza parece ter dado uma mãozinha extra. O maior e mais recente estudo brasileiro sobre o comportamento sexual do brasileiro, feito com 850 pessoas, 60% casados, mostra que, a partir dos 60 anos, os casais saudáveis mantêm, em média, duas a três relações sexuais por semana.
Se há problemas na saúde sexual, o número cai para cerca de uma vez por semana. A mesma média dos europeus na faixa dos 40, 50 anos de idade, diz a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora da pesquisa e do ProSex (Projeto Sexualidade), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (SP).
Mas homens e mulheres ainda esbarram em muito preconceito. "Um homem mais velho que tem uma função sexual desempenhada de forma satisfatória é até considerado um "disfuncional", no sentido de tarado", diz Santana.
Não existe padrão de comportamento sexual por faixa etária. A intensidade e a qualidade da resposta sexual mudam com a idade, mas variam conforme a pessoa. A sexualidade está vinculada não apenas à parte biológica, mas também a questões socioculturais e psicológicas.


"A mulher de 50 a 65 anos, viúva ou desquitada, está num mato sem cachorro. Foi estimulada a praticar sexo, quer praticar e gosta disso, está disposta e disponível, mas falta parceiro"
Maria Celia de Abreu, psicoterapeuta dedicada à meia-idade

Existe, por exemplo, a viúva como a aposentada Wilma Scuriatti, 73, uma mulher bonita, que teve "uma vida boa com o marido em todos os sentidos" durante os 47 anos de casamento. Quando perguntada sobre a possibilidade de um novo romance, ela responde, com os olhos embargados: "Não estou preparada ainda". Ou ainda a esportista Therezinha Mastrorocco Yasuoko, 67, que, em constante atividade nos campeonatos de tênis do Torneio das Damas, nem pensa em outra história depois do marido romântico que teve. "Para comemorar as datas importantes, viajávamos ou fazíamos reserva no motel, e ele contratava um fotógrafo para registrar nossos lances -não os eróticos, mas os momentos românticos", conta.
Há ainda a turma que perdeu o desejo sexual e quer reavê-lo de todo jeito. Também são comuns aqueles idosos que são tomados por um desejo tremendo, mas não têm parceiro. Assim satisfazem a necessidade por meio da auto-estimulação, mas carregando uma montanha de culpa.
A mulher de 50 a 65 anos, por exemplo, viúva ou desquitada, "está num mato sem cachorro", diz Maria Celia de Abreu, psicoterapeuta dedicada à meia-idade. Essa geração pioneira, segundo ela, a primeira a consumir a pílula, foi estimulada a praticar sexo, quer praticar e gosta disso, está disposta e disponível, mas falta parceiro. "O mercado é pequeno: ou eles estão casados ou já morreram", diz Abreu.
Outras vão se fechando ou se tornando ridículas, diz ela, voltando a usar minissaia estilo Mary Quant e fazendo operações plásticas excessivas, que as deixam desfiguradas, como um jeito de tentar "fisgar" os mais jovens.
A falta de conhecimento sobre as novas formas de reação do corpo -o próprio ou o do velho companheiro de estrada- é capaz de abalar a vida da pessoa ou até o casamento.
A disfunção erétil, principal queixa masculina, pode facilmente ser interpretada de forma injusta pela parceira. O engenheiro aposentado Joselino Santos, 70, casado há 51, passou por esse drama. "Ela brigava comigo porque eu falhei duas ou três vezes, achava que eu tinha outra. Não conseguia entender que havia uma mudança física", diz. Algumas fazem o contrário: remoem-se de culpa porque eles não têm ereção com elas.
Impressionante também é a culpa da mulher que não se perdoa pelo corpo ter envelhecido e, muitas, fica sem coragem de tirar a roupa para o novo homem ou até para o parceiro.
Seja qual for a dificuldade, "tem de assumir que é uma pessoa diferente", diz Santana. No quesito estética, por exemplo, a natureza -ela de novo- protege a mulher. E como? Engordando a quarentona.
Depois da menopausa, explica a ginecologista, o organismo fabrica mais androgênios (hormônios masculinos), os quais são anabolizantes. A mulher então ganha peso, e, nessa gordura, o androgênio é transformado em estrona, que vai substituir o estradiol -um dos hormônios femininos.
"A estrona é menos ativa, mas em grande quantidade vai funcionar igualmente. Você continua com a pele esticada, mantém a lubrificação vaginal", explica Santana. Mas a idéia não é que a mulher caia de boca na comida e sim cuidar-se para não virar obesa nem entrar na onda do padrão esquálido fashion, porque magreza demais, nessa fase, é sinal de estrona de menos.
"Mas nada é falado. Quem tem a sorte de ter um companheiro animado vai se adaptando às mudanças. Quem não tem se fecha por causa da censura", diz Abreu. Aliás, até no ambiente mais apropriado para levar dúvidas sobre a expectativa de vida sexual, o consultório do médico, eles baixam a bola -o paciente e até o doutor. "Temos colegas da área que têm dificuldade de falar sobre o assunto com o paciente", reconhece o diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas, Wilson Jacob Filho. E ele lembra a sabedoria das palavras de um especialista na área: "Ninguém consegue falar da sexualidade do outro se não estiver à vontade com a própria sexualidade".
O idoso deve saber que as queixas nessa área são tão importantes quanto problemas de locomoção ou digestão, por exemplo. Entre os sintomas mais comuns do idoso, três deles podem facilmente estar relacionados a uma disfunção sexual: dores pelo corpo, desânimo pela vida e perda de memória.
Isso não significa que a sexualidade tem de ser imposta, porque senão surge outro problema e bem comum. A mentalidade de que é obrigatório ser ativo a vida inteira prostra o sujeito. Aos pacientes que se sentem pressionados pela falta de interesse em sexo, Jacob aconselha: "O que deve orientá-lo é o seu prazer, não o dos outros".
Se quiser manter-se sexualmente ativo, tem de cuidar da saúde e investir nas adaptações para tirar proveito dessa fase da vida. É a natureza, de novo, que exige.


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