São Paulo, quinta-feira, 22 de junho de 2006
Próximo Texto | Índice

Outras idéias

Dulce Critelli

"Não matarás"

Experimentamos profunda perplexidade diante de crimes hediondos, como no caso do envolvimento de Suzane Richthofen no assassinato dos pais. Curiosidade, assombro e repúdio são sentimentos que se misturam, sobretudo quando tais atos são praticados aparentemente sem motivo ou quando seus motivos nos parecem torpes.
Acreditamos que os homens são capazes de qualquer coisa quando se trata de salvaguardar a vida. E, às vezes, chegamos a admitir que tanto a sobrevivência quanto a necessidade justificam atos execráveis e abjetos. Só por meio desses motivos tamanha brutalidade ganharia, ao menos, alguma explicação plausível. Suzane, no entanto, não agiu em nome da miséria, da fome, ou para se defender de maus-tratos. À primeira vista, e sem o peso de justificativas socialmente convincentes, seu gesto parece ser pura maldade. Mas não é sob o estigma da maldade que entendemos sua ação, ela é mais do que isso.
O crime de que Suzane participou fere dois dos princípios fundamentais da nossa ética: "não matarás" e "honrarás pai e mãe". Esses dois mandamentos, muito antes de aparecerem gravados nas tábuas dadas a Moisés, encontram-se inscritos no coração da condição humana. Valem para todos os homens, para todas as culturas e para todas as civilizações.
Distinguimo-nos dos animais porque podemos resolver os problemas e as dificuldades com nossos semelhantes sem lhes tirar a vida. Aliás, inventamos diferentes procedimentos, exatamente para não matar. Assim, cada vez que uma pessoa resolve suas questões com um assassinato, ela elimina essa diferença primordial entre os humanos e os animais.
Os gestos humanos são sempre singulares e revelam ações possíveis para toda a humanidade. Por isso, sempre que alguém pratica o mal, abre para ele as portas do nosso mundo e o convida a entrar. Nenhum ser humano suporta viver numa sociedade que acolhe e permite o mal. Mandamentos, leis, normas e delimitação de direitos e de deveres têm por finalidade sua contenção.
Punir um crime é cercear o mal e, também, uma tentativa de impedir que ele se prolifere e se torne lícito. É dar uma chance a quem o cometeu, mas, também, é uma iniciativa de reajustar a caminhada e a convivência futura dos homens.
É dom humano poder superar suas maldades e suas mazelas e reiniciar uma trajetória pessoal. Há, portanto, com a vontade de punição de um crime, uma esperança no coração dos homens. Por essa esperança, punir é quase perdoar.


DULCE CRITELLI, terapeuta existencial e professora de filosofia da PUC-SP, é autora de "Educação e Dominação Cultural" e "Analítica de Sentido" e coordenadora do Existentia -Centro de Orientação e Estudos da Condição Humana
@ - dulcecritelli@existentia.com.br


Próximo Texto: Pergunte aqui
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.