São Paulo, quinta-feira, 22 de dezembro de 2005
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entrevista

Sinais de infertilidade no ar

O urologista Jorge Hallak fala sobre efeitos da poluição na fertilidade em São Paulo

MARCOS DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL

Em todas as espécies de mamíferos sempre nascem mais machos do que fêmeas. Esse equilíbrio natural pode ser abalado entre os humanos pela ação de poluentes atmosféricos. Foi o que revelou o estudo "Evidências de uma diminuição na razão homem/mulher em humanos e em ratos com o aumento dos níveis de poluição no ar na cidade de São Paulo", que recebeu destaque na revista científica "Nature" e foi apresentado pelo urologista Jorge Hallak no 61º Encontro Anual da Sociedade Americana para Medicina Reprodutiva, no Canadá. Desenvolvida em conjunto pelo Laboratório de Poluição Atmosférica e pelo Centro de Reprodução Humana do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, com coordenação geral do patologista Paulo Hilário Saldiva, a pesquisa analisou o total de nascimentos em três áreas da cidade de São Paulo de 2001 a 2003. Entre a área menos poluída e a com maior índice de poluição atmosférica, a diferença da proporção de nascimento de bebês do sexo masculino foi de 1%, o que representa 1.180 meninos a menos na área mais poluída. "Esse número é bem significativo. É preciso entender que a área menos poluída não é normal. Em São Paulo, não existe normalidade", afirma Hallak, que é diretor-executivo do Centro de Reprodução Humana do HC. Em entrevista à Folha, o urologista falou sobre a relação entre poluição e infertilidade.
Folha - Por que nascem menos meninos nas áreas mais poluídas?
Jorge Hallak -
Estamos trabalhando com essa hipótese, pois temos a impressão nítida de que está havendo uma fertilização preferencial dos óvulos por espermatozóides que carregam cromossomos X. A poluição e outros mecanismos estão inviabilizando a fabricação testicular de espermatozóides que carregam o cromossomo Y, que determina o sexo masculino.

Folha - Mesmo assim continuam nascendo mais meninos do que meninas?
Hallak -
Em todas as espécies de mamífero da Terra nascem mais machos do que fêmeas. A proporção de nascimentos varia de 51% a 52% de machos. Os machos têm uma mortalidade inicial maior no primeiro ano de vida. Existe mais agressividade entre eles.

Folha - Qual é a proporção na espécie humana?
Hallak -
Algo em torno de 51,6% de machos. Mas isso está caindo. Folha - A poluição pode desencadear um desequilíbrio na espécie? Hallak - Pode gerar, mas não só a poluição. Cada país tem a sua realidade. Aqui temos a poluição atmosférica, mas existem países que têm mais poluição química.

Folha - A poluição aumenta o número de abortos?
Hallak -
Sim. A poluição tem influência na incidência global de abortos. Ratas submetidas à poluição abortam muito mais do que as que não são submetidas. Mas, aparentemente, o aborto por sexo é o mesmo.

Folha - Existe alguma maneira de se proteger contra isso?
Hallak -
Investir em políticas de saúde pública para baixar a poluição. Estamos investigando formas de cuidar do espermatozóide submetido ao estresse oxidativo.

Folha - De que forma?
Hallak -
Com antioxidantes e outras substâncias. Eu sugiro que todo homem procure um urologista para fazer uma avaliação da função reprodutiva antes de querer ter filho.

Folha - Qual a relação da poluição com a infertilidade?
Hallak -
No trabalho experimental que fizemos em ratos, mostramos que aqueles que foram expostos à poluição ejaculam muito menos espermatozóides do que aqueles que não são expostos. A quantidade e a qualidade dos espermatozóides diminuem muito.

Folha - Qual o objetivo dessa pesquisa?
Hallak -
Ela está inserida no contexto de estudar as causas de infertilidade do casal. Hoje em dia, o casal não consegue ter filhos e não tem o diagnóstico da causa. Aparentemente, a incidência da infertilidade masculina está aumentando no mundo inteiro.

Folha - Existe algum dado que revele esse aumento?
Hallak -
Sabemos que a incidência de tumores de testículo e de más-formações testiculares e penianas está aumentando em vários países europeus. Temos a impressão de que esses eventos estão correlacionados com fatores ambientais, entre eles a poluição atmosférica.

Folha - Existe hoje uma banalização da tecnologia reprodutiva?
Hallak -
Hoje em dia, há um excesso de indicações de tecnologia reprodutiva. Vende-se a idéia de que, para o casal conseguir ter filhos, ele tem de fazer bebê de proveta. Isso é um absurdo. A pessoa não consegue engravidar e vai fazer reprodução assistida direto, sem diagnóstico, sem nenhuma investigação. A própria mídia, nessa neurose por notícias novas, faz capas de revistas com bebês de proveta como se eles fossem um milagre da natureza. Não é verdade. Existem complicações para a mãe e para o feto. A tecnologia reprodutiva não pode ser banalizada.


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