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entrevista
Sinais de infertilidade no ar
O urologista Jorge Hallak fala sobre efeitos da poluição na fertilidade em São Paulo
MARCOS DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
Em todas as espécies de mamíferos
sempre nascem mais machos do
que fêmeas. Esse equilíbrio natural
pode ser abalado entre os humanos
pela ação de poluentes atmosféricos. Foi o que revelou o estudo "Evidências de
uma diminuição na razão homem/mulher em
humanos e em ratos com o aumento dos níveis de poluição no ar na cidade de São Paulo",
que recebeu destaque na revista científica
"Nature" e foi apresentado pelo urologista
Jorge Hallak no 61º Encontro Anual da Sociedade Americana para Medicina Reprodutiva,
no Canadá.
Desenvolvida em conjunto pelo Laboratório
de Poluição Atmosférica e pelo Centro de Reprodução Humana do Hospital das Clínicas
da Universidade de São Paulo, com coordenação geral do patologista Paulo Hilário Saldiva,
a pesquisa analisou o total de nascimentos em
três áreas da cidade de São Paulo de 2001 a
2003. Entre a área menos poluída e a com
maior índice de poluição atmosférica, a diferença da proporção de nascimento de bebês
do sexo masculino foi de 1%, o que representa
1.180 meninos a menos na área mais poluída.
"Esse número é bem significativo. É preciso
entender que a área menos poluída não é normal. Em São Paulo, não existe normalidade",
afirma Hallak, que é diretor-executivo do
Centro de Reprodução Humana do HC.
Em entrevista à Folha, o urologista falou sobre a relação entre poluição e infertilidade.
Folha - Por que nascem menos meninos
nas áreas mais poluídas?
Jorge Hallak - Estamos trabalhando com essa
hipótese, pois temos a impressão nítida de que
está havendo uma fertilização preferencial dos
óvulos por espermatozóides que carregam
cromossomos X. A poluição e outros mecanismos estão inviabilizando a fabricação testicular de espermatozóides que carregam o cromossomo Y, que determina o sexo masculino.
Folha - Mesmo assim continuam nascendo mais meninos do que meninas?
Hallak - Em todas as espécies de mamífero da
Terra nascem mais machos do que fêmeas. A
proporção de nascimentos varia de 51% a 52%
de machos. Os machos têm uma mortalidade
inicial maior no primeiro ano de vida. Existe
mais agressividade entre eles.
Folha - Qual é a proporção na espécie
humana?
Hallak - Algo em torno de 51,6% de machos.
Mas isso está caindo.
Folha - A poluição pode desencadear
um desequilíbrio na espécie?
Hallak - Pode gerar, mas não só a poluição.
Cada país tem a sua realidade. Aqui temos a
poluição atmosférica, mas existem países que
têm mais poluição química.
Folha - A poluição aumenta o número
de abortos?
Hallak - Sim. A poluição tem influência na incidência global de abortos. Ratas submetidas à
poluição abortam muito mais do que as que
não são submetidas. Mas, aparentemente, o
aborto por sexo é o mesmo.
Folha - Existe alguma maneira de se proteger contra isso?
Hallak - Investir em políticas de saúde pública
para baixar a poluição. Estamos investigando
formas de cuidar do espermatozóide submetido ao estresse oxidativo.
Folha - De que forma?
Hallak - Com antioxidantes e outras substâncias. Eu sugiro que todo homem procure um
urologista para fazer uma avaliação da função
reprodutiva antes de querer ter filho.
Folha - Qual a relação da poluição com a
infertilidade?
Hallak - No trabalho experimental que fizemos em ratos, mostramos que aqueles que foram expostos à poluição ejaculam muito menos espermatozóides do que aqueles que não
são expostos. A quantidade e a qualidade dos
espermatozóides diminuem muito.
Folha - Qual o objetivo dessa pesquisa?
Hallak - Ela está inserida no contexto de estudar as causas de infertilidade do casal. Hoje em
dia, o casal não consegue ter filhos e não tem o
diagnóstico da causa. Aparentemente, a incidência da infertilidade masculina está aumentando no mundo inteiro.
Folha - Existe algum dado que revele esse aumento?
Hallak - Sabemos que a incidência de tumores de testículo e de más-formações testiculares e penianas está aumentando em vários países europeus. Temos a impressão de que esses
eventos estão correlacionados com fatores
ambientais, entre eles a poluição atmosférica.
Folha - Existe hoje uma banalização da
tecnologia reprodutiva?
Hallak - Hoje em dia, há um excesso de indicações de tecnologia reprodutiva. Vende-se a
idéia de que, para o casal conseguir ter filhos,
ele tem de fazer bebê de proveta. Isso é um absurdo. A pessoa não consegue engravidar e vai
fazer reprodução assistida direto, sem diagnóstico, sem nenhuma investigação. A própria
mídia, nessa neurose por notícias novas, faz
capas de revistas com bebês de proveta como
se eles fossem um milagre da natureza. Não é
verdade. Existem complicações para a mãe e
para o feto. A tecnologia reprodutiva não pode
ser banalizada.
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