São Paulo, quinta-feira, 23 de março de 2006
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Entrevista

O fotógrafo José Antonio Ramalho conta como abandonou sua vida sedentária para fazer aventuras sobre duas rodas

Diários de bicicleta

MARCOS DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL

Enquanto estas linhas são escritas, o escritor e fotógrafo José Antonio Ramalho, 44, está cruzando os Andes de bicicleta. Há dois anos, no entanto, seria raro encontrá-lo em outro lugar senão sentado em frente ao computador. Aos 42 anos, depois de reflexões na frente do espelho e da janela e sobre a balança, Ramalho trocou sua vida sedentária por longos percursos sobre duas rodas -o mundo que passava pela janela parecia mais interessante do que o escritório. Sua primeira aventura foi fazer o caminho de Santiago pedalando, o que rendeu o livro "Santiago de Compostela - Viagem aos Sentidos" (ed. Photos, 120 págs., R$ 89), escrito a quatro mãos com o jornalista e parceiro de pedalada Irineu Masiero. A jornada também pode ser conferida no site www.grandesaventuras.com.br. Antes de partir para a travessia dos Andes, Ramalho falou à Folha sobre sua mudança de estilo de vida e sobre suas aventuras.

 

Folha - Como surgiu a idéia da viagem? Já havia feito outras rotas de bicicleta?
José Antonio Ramalho -
De bicicleta, não. A minha primeira aventura foi meio radical. Em 2002, eu fiz uma viagem que se chamou "Volta das Américas". Eu e um amigo pegamos um bimotor aqui em São Paulo e fomos até o Alasca. Cruzamos o Caribe, os EUA, o Canadá, chegamos ao Alasca e, de lá, descemos até a Patagônia. Foram 47 dias.

Folha - Antes de fazer o caminho de Santiago, você já tinha feito alguma grande pedalada?
Ramalho -
Não. Foi a minha primeira: 1.100 km em 15 dias. Para isso, comecei a me preparar antes. Não foi assim: "Amanhã vou fazer o caminho de Santiago". Em seis meses, comecei antes a andar de bicicleta continuamente.

Folha - Antes você andava com que freqüência?
Ramalho -
Vou ser sincero. Fiquei 20 anos sem andar de bicicleta. Desde que eu entrei na faculdade, eu parei de pedalar. Em 2004, comecei a olhar a balança, o espelho e a janela e a reparar no meu tipo de atividade -ficava na frente do computador o dia inteiro. Era hora de tomar alguma providência. Mas o que fazer? Então reativei minha velha bicicleta.

Folha - A mesma bicicleta de 20 anos atrás?
Ramalho -
É, a bicicleta que eu tinha desde 1976. Comprei quando tinha 16 anos e acabou encostada na casa da minha mãe. Fui lá, tirei a poeira dela, lubrifiquei e comecei a andar. Foi incrível como, em poucos dias, o gosto pela bicicleta voltou. Parecia que eu nunca tinha parado de andar. Não fiz um treinamento de atleta, andava todo dia um pouquinho e, nos finais de semana, encarava uns trechos mais longos. Logo que percebi que aquilo ia ser uma coisa séria, fiz um check-up geral, principalmente do coração, verifiquei que estava tudo bem e vi quais eram os meus limites cardíacos. Fiz meu treinamento tendo isso em vista. Em cerca de cinco meses, eu já me considerava apto a fazer a pedalada.

Folha - Quanto vocês pedalavam por dia no caminho de Santiago?
Ramalho -
A média eram 100 km. Teve um dia que andamos 50 km, mas vários dias andamos acima de 100 km.

Folha - O que mudou na sua vida depois que começou a pedalar?
Ramalho -
O legal é que, desde que eu comecei a pedalar em 2004, já perdi 15 quilos. Hoje estou com o peso que eu tinha aos 24 anos.

Folha - Antes você levava uma vida totalmente sedentária?
Ramalho -
Totalmente. Ficava sentado na frente do computador o dia inteiro. Geralmente, o brasileiro de classe média tem um plano de saúde e um plano de previdência privados porque quer ter algum dinheiro para passar a velhice com mais conforto. Só que se esquece de investir na poupança mais importante, que é o próprio corpo.

Folha - Pedalar mudou o seu modo de pensar também?
Ramalho -
Sim. Depois do caminho de Santiago, vi que a vida é mais simples do que a gente faz dela, ou seja, a gente pode simplificar a vida sem ter de viver espartanamente. Não é preciso ser um monge budista para estar bem consigo mesmo. Mas tem muitas coisas que você pode deixar de lado. A gente acaba acumulando muita coisa que não usa. Depois dos Andes, vou atravessar o Himalaia de bicicleta, em setembro.


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