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S.O.S. família
Generosidade e convivência em grupo
As famílias sofreram grandes mudanças nos últimos 40 anos, mais
ou menos, e essas mudanças ainda não terminaram. Uma delas,
bem significativa, foi a diminuição do número de filhos que decidem que devem ou podem ter principalmente porque ter
e criar um filho custa hoje muito caro. Antes,
um casal com quatro filhos ou até mais era um
fato muito comum. Hoje, quando encontramos uma família com mais de dois filhos, já
nos surpreendemos.
Além do número de filhos, o tipo de vida das
famílias grandes favorecia o ensinamento aos
irmãos da partilha, da solidariedade, do companheirismo. Na época das grandes famílias,
ter um filho único era preocupante porque parecia não haver condições propícias a esses
aprendizados. Hoje, muitos casais com apenas um filho se preocupam com o fato de essa
situação, por si só, criar condições problemáticas para a formação e a educação dos filhos.
Vários leitores já escreveram manifestando
essa impressão. Vale refletir a respeito.
Um ponto importante é o fato de o contexto
social ser decisivo na determinação de situações consideradas usuais e, portanto, na das
consideradas exceções -viver como diferente sempre foi e ainda é bem difícil. Na época
das grandes famílias, ter um filho único onerava os pais sobremaneira já que eles tinham de
educar na ausência de referências socialmente
compartilhadas porque essa não era essa uma
situação vivida por muitos.
Hoje, mesmo a situação social tendo interferido radicalmente no número de integrantes
das famílias, a preocupação dos pais continua.
Mas o que temos visto é que, mesmo nas famílias com mais de um filho, todos são criados
como se fossem filhos únicos, o que não favorece o surgimento daquelas situações que já
foram consideradas ideais para determinados
ensinamentos de convivência.
Antes, o filho único não dividia seu quarto
com ninguém, não precisava emprestar seus
brinquedos nem vivia em casa situações que
poderiam facilitar o aprendizado da tolerância ou da divisão da atenção dos pais. E eram
essas algumas das situações que inquietavam
os pais. E como vivem hoje as famílias com
mais de um filho? Em geral, cada filho tem seu
quarto com todas as suas coisas, não é incentivado a ceder ou a emprestar o que é seu, e a rivalidade pela atenção exclusiva dos pais é intensa.
Essas gerações mais novas não nasceram
portadoras de um "chip novo", como diz uma
amiga, que programa determinados comportamentos. Elas têm aprendido a viver de acordo com a cultura do individualismo que as
cerca e têm priorizado a posse das coisas mais
do que o uso delas porque assim temos ensinado. O individualismo não combina com a
generosidade, o clima competitivo não se conecta com a solidariedade, não é?
Então, se hoje apenas alguns pais com um
único filho se preocupam com o tipo de educação que praticam porque querem evitar um
filho egoísta, exigente e mimado, é porque há
algo de equivocado em nossas interpretações.
Talvez um dos equívocos seja o de acreditarmos que as situações vividas por crianças e jovens são mais decisivas em sua formação do
que as atitudes educativas dos pais.
O fato é que temos tido muita dificuldade
para ensinar certas virtudes e atitudes na convivência porque nós mesmos não mais as
exercemos. Como ensinar a ceder se sequer no
trânsito somos capazes de permitir que outro
carro entre à nossa frente? Como ensinar a tolerância se não suportamos o que é diferente?
Como ensinar a dialogar se não sabemos ouvir? Como ensinar a esperar a vez se fazemos
de tudo para sermos os primeiros?
Os pais de filhos únicos não precisam se
preocupar com essa situação específica da vida do filho e sim com todas as outras que invadem nossa vida e que ensinam a eles o que não
desejaríamos que aprendessem. E é preciso
contar também com a vivência na escola. Lá
eles podem e devem aprender a compartilhar,
a saber esperar, a colaborar com os outros, a
conter seus impulsos individualistas. É por isso que os pais não devem pedir à escola que
trate o seu filho de forma individualizada.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar
Meu Filho?" (ed. Publifolha)
@ - roselysayao@folhasp.com.br
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