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drible a neura
É preciso dar ouvidos ao problema da audição
ANTONIO ARRUDA
DA REPORTAGEM LOCAL
"Eles querem que eu fique surdo!" é a frase que a psicóloga Maria
Célia de Abreu, especializada no atendimento a pessoas maduras, já ouviu da boca de vários idosos que começam a perder a audição,
mas se recusam a aceitar. Eles insistem que estão ouvindo bem e creditam aos outros a responsabilidade sobre sua deficiência. É um comportamento comum e desgastante para todos: para o idoso e para quem convive com ele, que também
acaba passando por situações de estresse e de desgaste e tem de se adaptar ao problema, às vezes tanto quanto o portador da deficiência.
Quando a pessoa começa a apresentar perda auditiva, primeiro ela
tenta modificar o ambiente ao seu redor: pede para os parentes falarem
mais alto, aumenta muito o volume da TV, do rádio ou da campainha do
telefone. Depois, ela tende a se isolar: passa a dormir mais cedo que o habitual, deixa de ouvir música e evita participar de reuniões de família. "Essa pessoa pode passar a viver no ostracismo e apresentar depressão", diz
a otorrinolaringologista Mara Edwirges Rocha Gândara.
"Já fiquei deprimido, sim", diz o contador aposentado João Felisberto
Charles, 75. "Nós mesmos nos isolamos. Queremos entender o assunto
em discussão e não conseguimos, então vamos ficando acanhados, retraídos, agoniados e chateados, e nos afastamos dos demais."
Sua esposa, a professora aposentada Adelaide Lebrão Charles, 74, conta
que "muitas vezes, nos encontros de família, ele dá um jeito de fugir, escapa de fininho e não raro resiste ao uso do aparelho". Ela diz perder a paciência com o marido em alguns momentos, principalmente quando tem de repetir "dez vezes a mesma frase".
"Quando ele fica muito nervoso por não conseguir ouvir a TV, por exemplo, eu fico nervosa junto com ele", completa.
Rejeição à prótese
A perda auditiva de Charles já atinge os dois ouvidos. Apesar disso, ele chega a ficar dois, três dias sem usar a prótese. "Se
ponho o aparelho e passa uma moto
na rua, fico atordoado com o barulho", desabafa.
Superada a dificuldade em aceitar a
deficiência, vem outra batalha: o uso
da prótese auditiva. Assumir a necessidade do aparelho é reconhecer que
se está envelhecendo. "É como se a
pessoa usasse uma etiqueta na testa,
cintilante, com os dizeres "sou um velho'", comenta a psicóloga.
Arnaldo Bilton, 80, aposentado que
trabalha como consultor empresarial,
possui perda auditiva principalmente
no ouvido esquerdo. A filha, Tereza
Loffredo Bilton, é fonoaudióloga da
Unifesp especializada em gerontologia. Nem por isso ele se sente à vontade para resolver o problema. "Ele é
muito vaidoso, é difícil fazê-lo usar a
prótese devidamente. Tive de indicar
uma médica amiga para cuidar do caso dele", conta Tereza. O pai não nega: "As pessoas reparam muito; qualquer um que tenha um treco desses
pendurado na orelha é muito visado".
A esposa de Bilton, Elza Loffredo
Bilton, 73, diz ter bastante paciência
com o marido -"apesar da sua teimosia e da relutância em usar a prótese"- e estar acostumada à sua deficiência, mas confessa assitir TV no
quarto "porque na sala, onde o Arnaldo assiste, o volume é muito alto".
A deficiência auditiva causada pela
idade não acomete apenas quem tem
mais de 70 anos. A chamada presbiacusia, que é o envelhecimento natural
das células cocleares (que recebem as
frequências sonoras e permitem que
as pessoas ouçam), pode começar na
faixa dos 50 anos de idade. É o caso do
dentista Fuad Antacle, 58.
Como bom pai coruja, lá estava o
dentista -na época, com 48 anos-,
torcendo pelo filho que tentava marcar um gol em uma partida de futebol. De repente, um tumulto chama a
sua atenção, e ele se pergunta: "O que
aconteceu?". Era apenas o apito do
juiz, que ele não havia escutado,
anunciando o pênalti. Quando esse
episódio aconteceu, o dentista começava a perder sua capacidade auditiva. Depois disso, foi uma brincadeira
de telefone-sem-fio com os filhos e a
esposa que o preocupou. "Eu não
conseguia participar, não era capaz
de ouvir o cochicho das crianças." As
tensões começaram a surgir também
em reuniões de trabalho, conferências e até mesmo nos momentos de
lazer. A solução? "Colocar uma prótese auditiva", disse o médico. A notícia
foi recebida como um choque.
"Demorei uns seis meses para digerir isso, em parte por causa da vaidade e também porque meu ego foi afetado: sempre tive uma saúde perfeita,
de repente ter de conviver com a perda da audição? Foi terrível", diz Antacle, que só colocou uma prótese em
98 e usou-a até 2000. "Desisti porque
não estava satisfeito com o resultado", diz ele.
Agora, encontrou um novo especialista para escolher um aparelho
mais eficiente e com mais recursos.
Culpa do piano
Ultrapassadas as fronteiras do "não quero, não preciso
e não gosto" e da dificuldade de se adaptar com o aparelho, vem a recompensa: redescobrir como é escutar sem dificuldade.
A pianista Maria Lúcia Vieira Machado, 79, que chegou a chamar o
"médico" do seu piano, como ela diz,
pois achava que não ouvia as notas
mais agudas por defeito do instrumento, colocou uma prótese em 98. A
primeira coisa que fez foi ir à rua. No
meio do caminho, atravessando o jardim de seu prédio, surpreendeu-se
com o canto dos pássaros. "Fiquei
emocionada. Foi aí que eu vi o quanto
a situação estava grave. Eu não sabia
que não estava ouvindo mais o canto
deles", conta ela.
Já o dentista Antacle vai encarar o
aparelho "nem que a médica diga que
a prótese vai ser grande e ficar para
fora da orelha". Ele diz que quer voltar a ouvir "os grilos que tanto gostava de escutar na chácara". E os filhos,
hoje maiores de idade, continuam incentivando o pai, dizendo: "Você está
perdendo muita coisa!".
Confira nesta página os argumentos dos especialistas que ajudam a
aceitar a prótese auditiva.
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