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NEUROCIÊNCIA
Suzana Herculano-Houzel
Um "barato" nada legal
[...] O "legal" dessas drogas é resultado de uma falha na legislação, que regulamenta substâncias por fórmula, e não por classe farmacológica
A mídia popular descobriu que falar positivamente de drogas vende revistas
-vide o número de vezes em
que a maconha foi reportagem de capa nas bancas.
Dois domingos atrás, um
jornal carioca resolveu explorar o assunto em grande
estilo e publicou uma reportagem sobre a nova onda europeia: as drogas "legais" ou
"legal highs", substâncias
sintéticas fabricadas em laboratório para reproduzir os
efeitos de maconha, cocaína,
ecstasy e LSD -mas que, como tecnicamente não são cocaína ou suas primas, não são
proibidas.
Não deu outra: no domingo seguinte, já havia um indivíduo agradecendo à revista
publicamente, com nome e
sobrenome, por agora poder
usar drogas legais para fritar
seu cérebro (o "fritar" é por
minha conta).
Que legais, que nada: apenas "não ilegais" (ainda), na
minha opinião. Primeiro,
porque o "legal" dessas drogas é resultado de uma falha
na legislação, que regulamenta substâncias por fórmula, e não por classe farmacológica (sim, já me alertaram para o fato de que tudo o
que não é previsto como ilegal por lei é tecnicamente legal -mas a regulamentação
das "legal highs" é apenas
uma questão de tempo, porque até os governos europeus já notaram a falha).
Segundo, porque qualquer
substância para consumo
humano precisa ser regulamentada -ou farmácias venderiam o que bem entendessem a quem quisesse comprar. Para isso, existem os
testes clínicos e de segurança, que várias vezes retiram
de circulação até remédios
autorizados anteriormente.
E terceiro, porque, dada a
regulamentação rígida dos
medicamentos, dizer que
uma droga é legal dá a entender, equivocadamente, que
ela é segura. Nesse caso, o
que as torna "legais" é justamente desconhecimento
-em farmacologia, sinônimo de insegurança.
Além do mais, para dar os
efeitos que os usuários buscam, as "legal highs" devem
ser similares em ação às
substâncias originais e, portanto, com o mesmo potencial de estrago: vício, perdas
sociais e financeiras, danos a
terceiros, overdose e morte.
Por isso, prefiro chamá-las
de "não ilegais ainda", na esperança de que a legislação
seja rapidamente revista.
Como disse o bioeticista Peter Singer, o dever da legislação é nos proteger de nós
mesmos. Não tenho nada
contra alguém escolher torrar seu cérebro com drogas
-desde que isso não afete
quem está ao seu redor.
No caso de maconha, cocaína, ecstasy, LSD e de seus
similares ainda não ilegais
devido a uma brecha na lei,
isso não é possível.
Legislar é preciso.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora do livro
"Fique de Bem com o Seu Cérebro" (ed. Sextante) e do blog "A Neurocientista de Plantão"
( www.suzanaherculanohouzel.com )
suzanahh@gmail.com
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