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ANNA VERONICA MAUTNER
O boletim e o cidadão
[...] COMO NÃO HÁ MAIS NOTA PARA ZELO NAS ESCOLAS, QUAL SERÁ O JEITO DE COMUNICAR SUA IMPORTÂNCIA PARA SE SAIR BEM NA VIDA?
Já foi chamado de caderneta e de boletim. O que
importa é que ali são
anotadas as avaliações
do desempenho dos alunos. Os
professores ensinam, as crianças desempenham como conseguem e os pais são informados sobre o rendimento deles.
O boletim funciona como o
ponto de confluência de família, escola e aluno. Ali as avaliações se concretizam, permitindo comparações. O exercício de
se comparar com os outros,
realizado todo dia na escola,
aparece periodicamente na forma de nota no boletim. É um
exercício permanente de atualização de autoimagem. Nesse
contínuo de avaliações e comparações, a subjetividade vai
tomando forma e permitindo a
estabilização da autoimagem.
É pelas vozes e pelas atitudes
dos professores que os valores
do mundo chegam à mente das
crianças. Simbolicamente, o
boletim informa aos alunos o
que o mundo acha importante.
Fazer constar nota de comportamento no relatório significa
que ele é tão importante a ponto de merecer atenção e avaliação, assim como as matérias. E
ainda contribui para que os
professores levem a sério o que
a direção da escola incluiu.
Hoje as notas para conduta
desapareceram. Claro que nas
reuniões de pais e mestres, os
vários aspectos de conduta
continuam a ser avaliados. Mas
a criança só é informada sobre
eles se não tiver atendido às
exigências. É um universo ambíguo: matérias têm nota e conduta só aparece para ser corrigida. Em aritmética, acerta-se
ou erra-se. Já em aplicação,
comportamento, conduta,
quais são os critérios usados?
O que é isso, perguntarão os
mais jovens -nota de "aplicação"?! Pois é... A conduta já foi
valorizada aqui tanto quanto
em outros países. Na Itália, não
só valia nota como reprovava.
Conduta se referia à aparência
pessoal e das lições, cuidado
com caderno, caligrafia, comportamento em sala de aula e
no recreio e empenho em se
aperfeiçoar. Isso tudo exigia
nota maior do que a das matérias de conteúdo. O mínimo
exigido para conduta era oito e,
para as matérias, sete.
Não há mais nota para conduta por aqui. Mas, quando se
procura emprego, apresentação pessoal e formatação do
currículo valem como nota de
corte, isto é, se não agradarem,
é rejeição certa.
Como não há mais nota para
zelo nas escolas, qual será o jeito de comunicar a sua importância para se sair bem na vida?
Não adianta jornais e políticos
falarem dos defeitos da escola,
da desordem, da falta de autocrítica, se houve falha em treinar, informar e adequar as
crianças às exigências.
Não consta para mim nenhum decreto excluindo nota
para ordem, comportamento e
aplicação. Os anos foram passando, símbolos importantes
foram caindo em desuso e essas
perdas na comunicação simbólica entre Estado, família e indivíduo têm aumentado cada vez
mais as dificuldades do cotidiano de todos nós.
ANNA VERONICA MAUTNER , psicanalista da
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São
Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas"
(ed. Ágora)
amautner@uol.com.br
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