São Paulo, quinta-feira, 23 de julho de 2009
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ANNA VERONICA MAUTNER

O boletim e o cidadão

[...] COMO NÃO HÁ MAIS NOTA PARA ZELO NAS ESCOLAS, QUAL SERÁ O JEITO DE COMUNICAR SUA IMPORTÂNCIA PARA SE SAIR BEM NA VIDA?

Já foi chamado de caderneta e de boletim. O que importa é que ali são anotadas as avaliações do desempenho dos alunos. Os professores ensinam, as crianças desempenham como conseguem e os pais são informados sobre o rendimento deles.
O boletim funciona como o ponto de confluência de família, escola e aluno. Ali as avaliações se concretizam, permitindo comparações. O exercício de se comparar com os outros, realizado todo dia na escola, aparece periodicamente na forma de nota no boletim. É um exercício permanente de atualização de autoimagem. Nesse contínuo de avaliações e comparações, a subjetividade vai tomando forma e permitindo a estabilização da autoimagem.
É pelas vozes e pelas atitudes dos professores que os valores do mundo chegam à mente das crianças. Simbolicamente, o boletim informa aos alunos o que o mundo acha importante.
Fazer constar nota de comportamento no relatório significa que ele é tão importante a ponto de merecer atenção e avaliação, assim como as matérias. E ainda contribui para que os professores levem a sério o que a direção da escola incluiu.
Hoje as notas para conduta desapareceram. Claro que nas reuniões de pais e mestres, os vários aspectos de conduta continuam a ser avaliados. Mas a criança só é informada sobre eles se não tiver atendido às exigências. É um universo ambíguo: matérias têm nota e conduta só aparece para ser corrigida. Em aritmética, acerta-se ou erra-se. Já em aplicação, comportamento, conduta, quais são os critérios usados?
O que é isso, perguntarão os mais jovens -nota de "aplicação"?! Pois é... A conduta já foi valorizada aqui tanto quanto em outros países. Na Itália, não só valia nota como reprovava. Conduta se referia à aparência pessoal e das lições, cuidado com caderno, caligrafia, comportamento em sala de aula e no recreio e empenho em se aperfeiçoar. Isso tudo exigia nota maior do que a das matérias de conteúdo. O mínimo exigido para conduta era oito e, para as matérias, sete.
Não há mais nota para conduta por aqui. Mas, quando se procura emprego, apresentação pessoal e formatação do currículo valem como nota de corte, isto é, se não agradarem, é rejeição certa.
Como não há mais nota para zelo nas escolas, qual será o jeito de comunicar a sua importância para se sair bem na vida? Não adianta jornais e políticos falarem dos defeitos da escola, da desordem, da falta de autocrítica, se houve falha em treinar, informar e adequar as crianças às exigências.
Não consta para mim nenhum decreto excluindo nota para ordem, comportamento e aplicação. Os anos foram passando, símbolos importantes foram caindo em desuso e essas perdas na comunicação simbólica entre Estado, família e indivíduo têm aumentado cada vez mais as dificuldades do cotidiano de todos nós.

ANNA VERONICA MAUTNER , psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora)

amautner@uol.com.br


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