São Paulo, quinta-feira, 23 de novembro de 2006
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Neurociência - Suzana Herculano-Houzel

O hormônio da confiança

Toda interação social -amizade, troca de informações, compra e venda e mesmo um simples pedido de ajuda com um endereço a um estranho- envolve uma avaliação de confiança: o quanto você pode acreditar na pessoa à sua frente? É claro que decisões sobre a confiabilidade alheia envolvem questões sociais complexas. Mas a biologia não fica de lado. Afinal, interações sociais são, antes de mais nada, trocas entre seres que possuem uma biologia bastante parecida, sujeita à influência das mesmas moléculas, como a ocitocina, produzida pelo cérebro, mas que pode chegar até ele pelo nariz. Antes apenas um hormônio associado à lactação e ao parto, a ocitocina hoje é reconhecidamente uma substância cujas funções pró-sociais já incluem a formação de laços afetivos entre mães e filhos e entre namorados, a preferência sexual pelo parceiro e até a confiança em investidores. Em 2005, um estudo da Universidade de Zurique, na Suíça, mostrou que três borrifadas de ocitocina em cada narina de jovens universitários bastavam para deixá-los mais propensos a confiar todo seu dinheiro a banqueiros que teriam total poder de decisão sobre o valor a devolver ao investidor. Infelizmente, borrifar ocitocina no nariz dos banqueiros não os fazia pagar mais dividendos aos investidores. Faz sentido; decidir quanto dos lucros dividir com o investidor não é uma questão de confiança, já que o banqueiro não corre risco algum na transação. Dar ocitocina ao cérebro, por via nasal, só faz diferença quando a interação é social, entre pessoas reais, e envolve confiança. Agora, mais esta: segundo outro estudo da Universidade de Zurique, um pouquinho de ocitocina borrifada no nariz de casais prestes a começar uma discussão diminui a produção de cortisol, hormônio produzido em resposta ao estresse do bate-boca, e torna os casais mais propensos a "abrir seu coração" durante o arranca-rabo -talvez por deixá-los mais confiantes no parceiro, apesar dos pesares. Não estava no estudo, mas uns abraços antes da discussão devem surtir um efeito parecido: abraços são a alternativa natural -e bem mais agradável- ao vidrinho de ocitocina vendido na farmácia da esquina. Antes que você fique pensando em abraçar sua próxima vítima antes de discutir com ela, há um pequeno porém. De acordo com o estudo, pingar ocitocina no nariz não faz ninguém mudar de opinião sobre o conteúdo da discussão. Infelizmente... ou não!


SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de "Sexo, Drogas, Rock'n'Roll & Chocolate" e de "O Cérebro Nosso de Cada Dia" (ed. Vieira & Lent)

suzanahh@folhasp.com.br


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