São Paulo, quinta-feira, 23 de novembro de 2006
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Sobre as águas

Aulas com flutuação são novidade para relaxar nas academias; pessoas com insuficiência cardíaca, renal ou respiratória devem evitar atividades aquáticas

AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL

Fechar os olhos, inclinar-se para trás e deixar o corpo flutuar sobre as ondas do mar ou numa piscina tranqüila. Com a chegada do verão, essa é uma promessa cada vez mais próxima e desejada.
O que parece puro ócio é, porém, um momento rico em reações físicas que podem trazer benefícios para o corpo -assim como exigir precauções.
A lista de mudanças começa com a alteração do peso corporal -ficar imerso até o pescoço leva a uma redução de 90% do peso, o que promove um alívio em todas as articulações do corpo, especialmente nas da coluna vertebral.
Ao mesmo tempo, a imersão facilita o retorno do sangue das extremidades para o coração, o que ajuda, por exemplo, a tirar o inchaço das pernas.
Além disso, o corpo fica sujeito a uma pressão 800 vezes maior quando está sob a água do que quando está sobre o solo, o que torna o simples ato de respirar um exercício eficaz para a expansão da caixa torácica.
São características como essas que têm levado a flutuação a ser cada vez mais utilizada em academias e clínicas, na base de programas que buscam desde o relaxamento até a prevenção e a reabilitação de doenças.
Na academia Companhia Athlética, por exemplo, foi criada a aula de hidro relax. Durante 45 minutos, os alunos recebem massagens enquanto escutam músicas suaves e bóiam com a ajuda de tubos.
Na Reebok Sports Club, as tradicionais aulas de hidroginástica contam, em sua parte final, com exercícios de flutuabilidade direcionados ao relaxamento, e na A! Body Tech, no Rio, os alunos recebem aula de jahara (ver quadro na pág. 8) -numa piscina de água aquecida, de olhos fechados, a pessoa é suspensa pelo terapeuta, com a ajuda de um tubo.
Também há uma aula voltada só para suspensão na academia Bio Ritmo, na qual os alunos usam coletes salva-vidas e outros tipos de flutuadores.
Em hotéis e spas, como o Mental Spa, em São Paulo, há ainda cabines desenvolvidas especialmente para flutuação. Com 600 litros de água e 300 quilos de sais especiais, essas cabines têm uma camada de 30 centímetros de água cuja salinidade inviabiliza a submersão: o paciente flutua sem nenhum esforço. Dentro dela, é possível restringir os estímulos sonoros e visuais. O resultado é um relaxamento profundo.

Crescimento
Todas essas propostas integram uma área que começou a ganhar fôlego no país nos últimos dez anos e que terá, no início de 2007, seu primeiro encontro nacional.
De acordo com o fisioterapeuta Marcelo Roque, um dos idealizadores do 1º Congresso Brasileiro de Hidroterapia e Terapias Corporais Aquáticas, o evento vai tentar unir as diferentes ramificações do setor.
Embora existam métodos com propostas realmente distintas entre si, Roque ressalta que muitas denominações diferentes que surgiram ao longo dos últimos anos estão mais relacionadas a direitos autorais do que a técnicas diferentes.
Um dos métodos mais populares e que deu origem a vários outros é o watsu, criado nos Estados Unidos na década de 80. A idéia era adaptar os movimentos do shiatsu para o meio aquático, em busca de um novo tipo de meditação.
Basicamente, as sessões de watsu incluem alongamento passivo e pressão sobre alguns pontos específicos do corpo. Com o passar do tempo, novos movimentos foram adicionados às sessões, o que gerou uma reação por parte dos adeptos mais tradicionais. Assim surgiram novas denominações, diferentes entre si, mas com uma base comum.
Nem todos, porém, têm essa origem. Outro método famoso, o water dance, foi desenvolvido na Alemanha, também nos anos 80, por psicólogos que tinham interesse em analisar a ligação dos movimentos com as emoções. No método, o participante fica na posição fetal e passa alguns momentos totalmente sob a água, diferentemente do que ocorre no watsu.
A fisioterapia incorporou gradualmente algumas dessas propostas, principalmente nos trabalhos de reabilitação. Já os métodos mais ligados ao relaxamento passaram a ser considerados "terapias corporais aquáticas" e podem ser realizados por terapeutas de outras áreas, como professores de educação física ou massagistas.
A dica para se encontrar nesse mar de opções é procurar um bom profissional, mais do que um método específico, afirma o fisioterapeuta Hildebrando Barros Ribeiro, especialista em hidroterapia e delegado do Crefito (Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional) em Campinas (SP).

Indicações
Segundo o médico Cláudio Santili, diretor da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia, os melhores resultados da hidroterapia ocorrem nos casos de perda de mobilidade articular e em processos neuromusculares, como lombalgia e hérnia de disco. "São as duas situações em que [esse trabalho] é mais importante. O meio hídrico permite mobilidade com menos esforço." De acordo com Ribeiro, tanto os trabalhos realizados no solo quanto na água seguem os princípios da cinesioterapia (modalidade que busca tratar por meio de movimentos). Mas, quando os exercícios são feitos na água, entram em cena os princípios hidrodinâmicos.
"Quando afundo o corpo do paciente, o empuxo ["empurrão" da água na direção da superfície] leva a cabeça dele para cima, o que gera uma tração natural na coluna cervical", exemplifica a fisioterapeuta Gizele Aguiar, especialista em jahara. A água pode tanto facilitar como oferecer resistência aos movimentos, dependendo da velocidade. "Um benefício terapêutico interessante é que há um ganho de variabilidade de situações dentro de um mesmo movimento. Isso incrementa muito a terapia", diz Ribeiro.
Essas características fazem com que tratamentos na água sejam indicados para pessoas com problemas reumatológicos ou ortopédicos, dores crônicas, lesão de tecidos moles (tendões, ligamentos etc) e em quadros neurológicos associados a mudanças no tônus muscular -uma alteração no estímulo nervoso que leva à contração muscular pode levar uma pessoa que teve derrame a ficar com uma perna "mole", por exemplo.
"Dentro da água, às vezes é possível constatar que a capacidade de fazer um movimento continua ali, mas que a pessoa não os realiza no solo porque não consegue vencer a força da gravidade. O tratamento na água permite que o paciente faça e repita esses movimentos com mais facilidade, o que é importante para a reeducação muscular", afirma Ribeiro.
O fisioterapeuta Adriano Pezolato, professor do Centro Universitário Barão de Mauá, em Ribeirão Preto (SP), tem realizado pesquisas que comparam o efeito de terapias no solo e na água.
Na mais recente, foram comparados os resultados de dois grupos de pacientes com problemas na coluna vertebral, um submetido ao tratamento no solo e o outro, na água. "Usamos as mesmas técnicas e percebemos que, no grupo que foi tratado na água, a diminuição de dor foi muito maior."
Uma das hipóteses para essa diferença, segundo Pezolato, é que a própria temperatura da água influencie a melhora. "Acredito que a água aquecida proporcione uma diminuição na tensão da musculatura. Menos tensa, a pessoa responde melhor ao tratamento", afirma.
A temperatura da água varia conforme o efeito desejado. Problemas ortopédicos relacionados a lesão de tecidos moles pedem água a 30ºC. "Até temperaturas mais baixas podem ser boas", diz Ribeiro. Já problemas reumatológicos, como artrites, pedem água em torno de 32ºC e 33ºC. Pessoas com distúrbios neurológicos devem ser tratadas em piscinas mais quentes (de 32ºC a 34ºC).
Além disso, a água permite exercícios que não seriam possíveis no solo. "O grande diferencial da água é que é um meio sem barreiras, o que dá mais liberdade de movimentos. A amplitude que a coluna atinge na água é muito difícil de atingir no solo", diz o fisioterapeuta.

Contra-indicações
Nem tudo, porém, é vantagem no meio aquático. Quem tem insuficiência cardíaca, renal ou respiratória não deve fazer esse tipo de atividade, devido aos efeitos da pressão hidrostática sobre o corpo. Segundo Ribeiro, nos primeiros dois minutos após a entrada na piscina, a pressão arterial e a freqüência cardíaca aumentam. Depois, o organismo volta a se estabilizar, mas essa mudança pode ser perigosa para quem tem problemas como insuficiência cardíaca. "Para pessoas com pressão alta, é uma contra-indicação relativa, mas o problema deve estar controlado." Para Pezolato, pacientes com pressão alta devem fazer exercícios menos intensos.


ONDE ENCONTRAR
A! Body Tech
www.bodytech.com.br

Bio Ritmo
www.bioritmo.com.br

Companhia Athletica
www.ciaathletica.com.br

Mental Spa
www.mentalspabrasil.com

Reebok Sports Club
www.reebokclub.com.br



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