São Paulo, quinta-feira, 24 de agosto de 2000
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O envelhecimento dos pais é uma espécie de perda para os filhos e gera muitos conflitos; saiba como encarar bem essa fase
Prepare-se para "saborear" os pais durante a velhice

KARINA KLINGER
DA REPORTAGEM LOCAL

Papéis se invertem, as relações ficam estremecidas, vem culpa, medo da perda, incompreensão, e assim por diante. Tudo porque começa a acontecer o inevitável: o envelhecimento do pai ou da mãe. E os filhos, em geral, não conseguem lidar com essa realidade. Mas é possível "saborear a velhice" de um parente querido. Para tanto, como diz a psicanalista Delia Catullo Goldfarb, "é preciso começar, bem antes, a trabalhar a questão na cabeça".
Segundo psicólogos e geriatras, o processo de envelhecimento, que já é complicado para quem passa por ele, é algo grande demais para ser engolido de uma vez só pelos filhos ou por quem for a pessoa mais próxima do idoso. "Os filhos sempre esperam que os pais os acompanhem. A gente cresce com a sensação de que os pais irão nos proteger até a morte. Quando isso se desfaz, é difícil aceitar", diz Suzana Medeiros, coordenadora do Programa de Pós-Graduação de Gerontologia da PUC-SP.
Como o envelhecimento é uma etapa inevitável, para lidar da melhor forma com ela, é preciso ficar atento ao relacionamento e às mudanças que vão ocorrendo no comportamento do outro -pais devem perceber que filhos deixam de ser crianças, por exemplo, assim como jovens devem entender que, com o tempo, paciência de pai não é mais a mesma. Pois esse é o caso de Terezinha Aparecida Siqueira Nunes, 65.
Professora aposentada, ela diz que nem todos os seus quatro rebentos perceberam que seu dinamismo não é mais o mesmo. "O meu filho mais velho não tem paciência, ele acha que estou cheia de manias e que deveria fazer mais coisas", conta, acrescentando que os filhos, hoje em dia, se intrometem muito na vida dos pais. "Eles acham que têm autoridade. Existe um confronto que não acontecia na minha época de filha."
Para Medeiros, "é preciso pensar a velhice como mais uma etapa, não como uma doença grave. Foi dada ao velho uma imagem única de que ele é sempre resmungão e conservador. Isso não é a realidade. Cada um tem uma personalidade singular".
Aos 67 anos, o técnico de construção Maurício José Tosi vive uma situação rara para a idade: voltou a morar com a mãe. "Tivemos brigas no passado, mas hoje tento compreender sua situação. No começo foi difícil, nunca tive de dar satisfação a ninguém. No primeiro fim-de-semana em que viajei, ela ficou doente. É chantagem emocional, mas acho comum, ela fazia o mesmo com minha irmã", lembra.
O filho reconhece que os atritos, que foram graves na juventude dos dois, agora acontecem por razões bobas. Uma das últimas discussões, por exemplo, foi por causa de comida congelada. Com o tempo, Tosi fez descobertas importantes, que asseguram um bom relacionamento com o idoso. Uma delas: "Só é necessário paciência. Ela é uma criança, mas não é minha filha. O que faço é procurar sempre melhorar suas condições físicas e seu bem-estar".
A troca de papéis -filho virar pai ou filha dar uma de mãe- deve ser totalmente descartada. Mas, se ela ocorre por parte do idoso, que se comporta como filho, não há como evitar, basta ter consciência de que esse comportamento é comum, especialmente entre os idosos mais dependentes.
E é também a partir do envelhecimento dos pais que os filhos se deparam com a questão da finitude. "O problema não é o envelhecimento com saúde, que permite a manutenção da independência e da autonomia, mas quando existem doenças que criam dependência, e os filhos devem trocar de papel de forma radical. Deixam de ser protegidos e cuidados para serem "cuidadores'", afirma Goldfarb. "Mas, com o tempo, descobre-se que há outras formas de carregar no colo. É preciso reinventar a vida a cada momento", conclui Medeiros.


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