São Paulo, quinta-feira, 25 de janeiro de 2007
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

S.O.S. família - Anna Verônica Mautner

Apatia ou preguiça

O que é preguiça para um professor? E o que é tristeza? E os pais, sabem distinguir as duas?
Nos dicionários e na memória dos mais velhos, encontramos pequenas diferenças de sentido entre essas palavras. Creio que somos todos perfeitamente capazes de separar com facilidade melancolia de preguiça. Uma professora ou um chefe chamará de preguiça uma certa falta de vontade de fazer seja lá o que for que se espera da pessoa.
Já um médico ou um psicólogo usará melancolia -ou, modernamente, depressão- para denominar o mesmo fato. O político diria que a preguiça é resistência passiva ou rebeldia.
Será que estamos falando de uma mesma coisa?
Pode até ser em alguns casos.
É bom tomarmos um certo cuidado com essa possível confusão, pois preguiça pode ser tratada com pitos e castigos. Já a melancolia pede aconchego, carinho e atenção. Em ambos os casos, o comportamento é igual: temos uma pessoa desinteressada ou incapacitada para realizar o que ela quer ou aquilo de que foi incumbida.


[...] Existe uma grande diferença entre as duas palavras: melancolia é estado de ânimo, e preguiça se refere a produzir ou não


O quadro fica mais complicado quando se trata de crianças e adolescentes, pois, de um jovem saudável, esperamos que queira crescer e que, para tanto, esteja muito motivado a aprender. Aprender o quê? A superar os desafios que encontra no caminho para entender o mundo que o rodeia. Conseguir pernas fortes para subir o morro, para chutar a bola a gol. Mas também entender o que os outros falam, os manuais dos jogos eletrônicos e, às vezes, tirar nota boa na escola.
Será que se esquivar desses desafios é preguiça ou é melancolia? Até que tudo virasse doença, trauma ou complexo, a idéia de preguiça prevalecia na nossa cabeça. Há alguns séculos, era a melancolia que predominava. Agora, temos a preguiça com um tímido retorno da melancolia sob a égide das ciências da alma que encaram quase todos os maus hábitos, toda a rebeldia e toda a raiva como sintomas clínicos.
Os pais educadores precisam estar atentos, pois não estamos apenas diante de uma dificuldade ou de uma fatalidade. Se for um caso medicável, nem todo o castigo do mundo nem todo treino conhecido vão mudar a indiferença do preguiçoso/ melancólico. Essa tarefa cabe aos remédios, à psicoterapia e às técnicas de motivação. Para discriminar entre esses dois estados, um dos testes caseiros que podemos usar é a óbvia observação: o desinteresse se refere só a certas coisas ou se trata de um estado geral de indiferença, quando predomina uma certa frouxidão em relação a quase tudo? Devemos continuar alertas. Temos deveres a cumprir, caso contrário pagaremos por isso com desconto em salário, nota baixa etc.
Existe uma grande diferença entre as duas palavras: melancolia é estado de ânimo, e preguiça se refere a produzir ou não. Para os religiosos, caímos em um dos sete pecados capitais. Para os médicos e paramédicos, a saída é medicação específica. Para os patrões, professores e chefes, estamos diante de incapacidade. Cada um procura o atalho mais adequado para solucionar o problema que o mal-estar provoca.
Vivendo no mundo em que sou o que tenho, a preguiça é defeito capital. Quem não produz poderá vir a ter? E, sem ter, como ser?
ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora)

amautner@uol.com.br


Texto Anterior: Poucas e boas
Próximo Texto: Livro
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.