São Paulo, quinta-feira, 25 de março de 2004
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s.o.s. família

Ser pai pode rejuvenescer ou envelhecer

Uma amiga comentou que ser mãe e ser pai pode ter seus ônus todos, mas que uma coisa não se pode negar: o filho tem o dom de rejuvenescer os pais. Ela fez essa observação depois de ouvir uma reclamação do jovem filho que a tinha acompanhado -e ao pai- em uma visita familiar. O parecer dele sobre o programa foi curto e direto: chato no superlativo. O motivo? Na visão dele, bem simples: lá não se tinha assunto, o papo era ultrapassado, as conversas não rolavam.
A mãe, que é uma dessas mulheres que aprenderam a escutar o que os filhos dizem, refletiu a respeito do que tinha ouvido e não pôde deixar de concordar, pelo menos em parte, com a opinião do adolescente. Foi além do pensamento juvenil e pôs-se a analisar o encontro. Concluiu que faltava mais vida viva naquela casa porque lá não havia filhos.
Os pais que adotam os filhos que geram e assumem integralmente a relação com esses filhos aventuram-se numa viagem incerta e cheia de grandes emoções. Sabe esses esportes radicais que os jovens adoram praticar? Pois ser pai e ser mãe parece-se um pouco com isso. Por mais que qualquer um desses esportes seja muito bem planejado, preparado e cronometrado, é a combinação da incerteza, do risco e do desafio com a sensação de ficar absolutamente sem controle da situação que torna esses esportes tão atrativos aos jovens.
Não é assim com os adultos que decidem ser pais? Afinal, ter filhos significa acompanhar o mundo pelo próprio olhar e complementar essa visão com o novo olhar que o filho tem; significa perder a idéia de que já sabe tudo o que interessa e de que não há mais nada desafiante para aprender; significa se surpreender com as novidades que o mundo produz e que, sem os filhos, jamais chamariam a sua atenção; significa ter a enorme responsabilidade de cuidar de um outro, além de você mesmo, de admitir a perda de controle da situação, entre tantas outras coisas. E tudo isso já é o suficiente para renovar, mudar para melhor. Rejuvenescer, como disse minha amiga, para, ao mesmo tempo, amadurecer.
Qualquer que seja a idade de uma mulher ou de um homem, assumir como sua a tarefa de cuidar de um filho totalmente dependente, sintonizar-se com ele para tentar alcançar o sentido da linguagem que ele usa, tornar-se disponível para interessar-se verdadeiramente pela experiência da descoberta da vida que acontece diariamente com a criança e com o jovem só pode fazer amadurecer.
Responsabilizar-se pela educação de um filho requer uma atitude firme e ousada: a de assumir a tarefa de tutelar a vida de quem ainda não consegue viver por sua própria conta e risco. E isso só se faz com autoridade moral, algo que se constrói arduamente, dia após dia, e se sustenta do mesmo modo. Coisa de gente grande, não é mesmo?
Mas há, sim, quem não consiga dar o passo à frente e não desfrute dessa oportunidade que assumir o lugar de mãe ou de pai possibilita. Vou dar como exemplo um fato -didático, por sinal- ocorrido em um clube e que me foi contado por quem o testemunhou.
Uma mulher e seu filho pequeno, de menos de seis anos, estavam se arrumando para ir para casa depois de um tempo na piscina. Enquanto aguardava a hora da saída, o garoto pediu para tomar um sorvete, e a mãe deixou. Depois do primeiro, ele pediu o segundo e o terceiro. Quando o menino pediu o quarto, a mãe respondeu que não, que ele já havia tomado o suficiente.
O menino reagiu daquele modo conhecido de quem tem ou teve filhos pequenos: gritou, bateu o pé, armou um pequeno escândalo na tentativa de conseguir o que queria. Depois de confirmar a negativa e não ver a birra acabar, a mãe deixou com o filho a conta a pagar. Disse que a decisão era dele: se tomasse outro picolé, não voltaria ao clube no dia seguinte.
Ter filhos -vale o mesmo para alunos- pode rejuvenescer ou envelhecer. Pode também amadurecer ou prolongar a imaturidade. Obter um ou outro resultado depende do compromisso e do envolvimento com o lugar ocupado.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha), entre outros; e-mail: roselys@uol.com.br


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