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ENTREVISTA
Luto invisível
Para escritora portuguesa, mulheres que perdem seus bebês em qualquer fase
da gestação devem ter espaço para viver sua dor
IARA BIDERMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A professora e escritora
portuguesa Maria
Manuela Pontes, 39,
autora de "Maternidade Interrompida" (ed. Ágora,
216 págs., R$ 45,90), fundou em
2001 o projeto Artémis, para
apoiar mulheres que sofreram
perda gestacional.
A ideia da associação surgiu
após Pontes ter perdido, em
seis meses, dois bebês ainda no
útero. "A Artémis surgiu como
uma forma de eu dar um sentido às minhas perdas e porque vi
que a mulher que perde o bebê
na gravidez não tem apoio", diz.
A associação tem dois núcleos em Portugal (nas cidades
de Braga e Porto), mas grande
parte do trabalho de apoio é feito por meio do seu site (www.associacaoartemis.com).
Pontes diz que, após ter lançado seu livro no Brasil, diariamente recebe mensagens de
brasileiras em busca de ajuda.
Hoje mãe de Vitória, 7, e Mateus, 3, ela está no Brasil, onde
pretende criar mais núcleos do
projeto. Antes de chegar ao
país, deu esta entrevista, por
telefone, à Folha.
FOLHA - De que tipo de ajuda uma
mulher que sofreu perda gestacional precisa?
MARIA MANUELA PONTES - Ela precisa que as pessoas compreendam que está vivendo um momento de luto. As pessoas não
conseguem entender a tristeza
e a solidão que [essa mulher]
sente. Afinal, para os outros o
bebê nem sequer vivia.
FOLHA - Como elaborar o luto nessas condições?
PONTES - É difícil. Muitas mulheres na associação [Artémis]
dizem: "Parece que eu imaginei
aquela gravidez, que eu não estive grávida para ninguém a
não ser para mim, porque ninguém se importa com a perda
do meu bebê". A norma é as
pessoas falarem para essa mulher não chorar, não ficar falando sobre a perda. Para o luto, é
preciso chorar, é preciso falar
sobre o que você está sentindo,
mas a sociedade não dignifica
esse luto, ela diz à mulher que o
que ela perdeu é nada.
FOLHA - O sentimento de culpa dificulta ainda mais as coisas?
PONTES - Não há nenhuma mulher que não se sinta culpada ao
perder um filho. Na perda gestacional, normalmente não sabemos por que isso aconteceu,
não há uma razão, simplesmente perdemos. Como não há
culpados, as únicas que podem
sofrer com a culpa somos nós.
Pensamos: "Fiz alguma coisa
errada, peguei peso, comi algo
que não deveria e perdi meu filho". O primeiro sentimento
após a perda é a culpa.
FOLHA - Como superar esse sentimento?
PONTES - A culpa vai diminuindo a partir do momento em que
essa mulher passa a ser compreendida ou acompanhada. O
acompanhamento não tem que
ser feito obrigatoriamente por
psicólogo. Um acompanhamento familiar efetivo e correto ajuda essa mulher a ultrapassar a fase de luto.
FOLHA - E qual é o papel da terapia
psicológica?
PONTES - A terapia entra quando todo o resto falha. Se eu tenho um mau acompanhamento, a começar pelos médicos e
serviços de saúde, e se minha
família não me compreende, só
me resta uma alternativa, a terapia. É a última ferramenta
nessa pirâmide.
FOLHA - Como os médicos podem
ajudar?
PONTES - O que as mulheres dizem é que os médicos as veem
como mais um número. Tratam a cicatriz do corpo e esquecem a que fica na memória. O
que mais me choca é que eles se
preocupam com várias coisas,
mas não entendem que a perda
de um bebê ainda no útero é um
dos piores lutos que existem.
Uma mãe que perde o bebê com
três meses [de gestação] nunca
viu o seu rosto, não sentiu os
seus braços. Ela vive com a recordação de algo que nunca viu.
E, quando essa mulher engravidar de novo, isso será vivido de
uma forma devastadora: todos
os dias, ela vai se preparar não
para um nascimento, mas para
uma perda.
FOLHA - Faz diferença perder o bebê logo no início da gravidez?
PONTES - A perda não se quantifica, cada mulher vai sentir a
dor na proporção do momento
que está vivendo. É um mito
achar que, se a mulher teve a
gravidez interrompida aos dois
meses, isso vai passar logo. Porque perder o bebê no primeiro
trimestre é um vazio enorme,
você perde algo que não pode
aliar fisicamente a nenhuma
recordação.
FOLHA - Pessoalmente, o que a
mulher que perdeu o bebê pode fazer?
PONTES - O meu conselho para
essa mulher é: fale, obrigue as
pessoas a ouvir aquilo que você
sente. Se tem vontade de chorar, chore, independentemente
de as pessoas ficarem incomodadas. É preciso conquistar a liberdade de chorar.
SAIBA MAIS - Palestra gratuita com
Maria Manuela Pontes
Quando: 25/3, das 20h às 22h
Onde: B'nai B'rith, rua Caçapava,
105, 4º andar, Jardim Paulista, São Paulo
Informações: 0/xx/11/3891-2576;
info@4estacoes.com
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