São Paulo, quinta-feira, 25 de março de 2010
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ENTREVISTA

Luto invisível

Para escritora portuguesa, mulheres que perdem seus bebês em qualquer fase da gestação devem ter espaço para viver sua dor

IARA BIDERMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A professora e escritora portuguesa Maria Manuela Pontes, 39, autora de "Maternidade Interrompida" (ed. Ágora, 216 págs., R$ 45,90), fundou em 2001 o projeto Artémis, para apoiar mulheres que sofreram perda gestacional.
A ideia da associação surgiu após Pontes ter perdido, em seis meses, dois bebês ainda no útero. "A Artémis surgiu como uma forma de eu dar um sentido às minhas perdas e porque vi que a mulher que perde o bebê na gravidez não tem apoio", diz.
A associação tem dois núcleos em Portugal (nas cidades de Braga e Porto), mas grande parte do trabalho de apoio é feito por meio do seu site (www.associacaoartemis.com). Pontes diz que, após ter lançado seu livro no Brasil, diariamente recebe mensagens de brasileiras em busca de ajuda.
Hoje mãe de Vitória, 7, e Mateus, 3, ela está no Brasil, onde pretende criar mais núcleos do projeto. Antes de chegar ao país, deu esta entrevista, por telefone, à Folha.

 

FOLHA - De que tipo de ajuda uma mulher que sofreu perda gestacional precisa?
MARIA MANUELA PONTES -
Ela precisa que as pessoas compreendam que está vivendo um momento de luto. As pessoas não conseguem entender a tristeza e a solidão que [essa mulher] sente. Afinal, para os outros o bebê nem sequer vivia.

FOLHA - Como elaborar o luto nessas condições?
PONTES -
É difícil. Muitas mulheres na associação [Artémis] dizem: "Parece que eu imaginei aquela gravidez, que eu não estive grávida para ninguém a não ser para mim, porque ninguém se importa com a perda do meu bebê". A norma é as pessoas falarem para essa mulher não chorar, não ficar falando sobre a perda. Para o luto, é preciso chorar, é preciso falar sobre o que você está sentindo, mas a sociedade não dignifica esse luto, ela diz à mulher que o que ela perdeu é nada.

FOLHA - O sentimento de culpa dificulta ainda mais as coisas?
PONTES -
Não há nenhuma mulher que não se sinta culpada ao perder um filho. Na perda gestacional, normalmente não sabemos por que isso aconteceu, não há uma razão, simplesmente perdemos. Como não há culpados, as únicas que podem sofrer com a culpa somos nós.
Pensamos: "Fiz alguma coisa errada, peguei peso, comi algo que não deveria e perdi meu filho". O primeiro sentimento após a perda é a culpa.

FOLHA - Como superar esse sentimento?
PONTES -
A culpa vai diminuindo a partir do momento em que essa mulher passa a ser compreendida ou acompanhada. O acompanhamento não tem que ser feito obrigatoriamente por psicólogo. Um acompanhamento familiar efetivo e correto ajuda essa mulher a ultrapassar a fase de luto.

FOLHA - E qual é o papel da terapia psicológica?
PONTES -
A terapia entra quando todo o resto falha. Se eu tenho um mau acompanhamento, a começar pelos médicos e serviços de saúde, e se minha família não me compreende, só me resta uma alternativa, a terapia. É a última ferramenta nessa pirâmide.

FOLHA - Como os médicos podem ajudar?
PONTES -
O que as mulheres dizem é que os médicos as veem como mais um número. Tratam a cicatriz do corpo e esquecem a que fica na memória. O que mais me choca é que eles se preocupam com várias coisas, mas não entendem que a perda de um bebê ainda no útero é um dos piores lutos que existem.
Uma mãe que perde o bebê com três meses [de gestação] nunca viu o seu rosto, não sentiu os seus braços. Ela vive com a recordação de algo que nunca viu. E, quando essa mulher engravidar de novo, isso será vivido de uma forma devastadora: todos os dias, ela vai se preparar não para um nascimento, mas para uma perda.

FOLHA - Faz diferença perder o bebê logo no início da gravidez?
PONTES -
A perda não se quantifica, cada mulher vai sentir a dor na proporção do momento que está vivendo. É um mito achar que, se a mulher teve a gravidez interrompida aos dois meses, isso vai passar logo. Porque perder o bebê no primeiro trimestre é um vazio enorme, você perde algo que não pode aliar fisicamente a nenhuma recordação.

FOLHA - Pessoalmente, o que a mulher que perdeu o bebê pode fazer?
PONTES -
O meu conselho para essa mulher é: fale, obrigue as pessoas a ouvir aquilo que você sente. Se tem vontade de chorar, chore, independentemente de as pessoas ficarem incomodadas. É preciso conquistar a liberdade de chorar.


SAIBA MAIS - Palestra gratuita com Maria Manuela Pontes
Quando: 25/3, das 20h às 22h
Onde: B'nai B'rith, rua Caçapava, 105, 4º andar, Jardim Paulista, São Paulo
Informações: 0/xx/11/3891-2576; info@4estacoes.com



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