São Paulo, quinta-feira, 25 de março de 2010
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SAÚDE

Positivo e operante

25 anos após os testes do primeiro remédio para combater a Aids, três portadores do vírus HIV contam como é ter a doença há mais de duas décadas

Marcelo Justo/Folha Imagem
"Vida normal é conseguir trabalhar, estudar, mas eu tenho uma doença. Está controlada, mas está aqui"
VALÉRIA POLIZZI

RACHEL BOTELHO
DA REPORTAGEM LOCAL

No princípio, era o fim. Há 25 anos, quando o primeiro medicamento para tratar pacientes com HIV começou a ser testado, o diagnóstico da doença equivalia a uma sentença de morte. Desde que surgiram os primeiros pacientes da epidemia, em 1981, o AZT era a primeira e única esperança para os infectados.
Apesar da boa notícia, perderam-se muitas vidas até que o remédio se tornasse acessível. A distribuição gratuita no Brasil começou em 1991, mas, até meados da década de 90, o tratamento era para poucos.
"Ou o sujeito tinha muito dinheiro e comprava de importadores ou contava com iniciativas isoladas de algumas prefeituras", lembra Esper Kallas, infectologista da USP.
Além disso, o AZT estava longe de ser uma panaceia. A dosagem prescrita na época, o dobro da atual, provocava efeitos colaterais como anemia e intolerância gastrointestinal e deixava de agir após um ano, em média. "Houve grande resistência ao tratamento [por parte dos pacientes]. Na maioria dos casos, nem eu me convenci de seu impacto", afirma o oncologista Drauzio Varella, que tratou alguns dos primeiros doentes de Aids do país.
Rosa Alencar, da Coordenação Estadual de DST-Aids, concorda. "O AZT teve um impacto relativo porque não trazia melhora sustentada."
Até o grande salto no combate ao problema, que o colocou no patamar das doenças crônicas em que se encontra hoje, passaram-se dez anos. Em 1995, o desenvolvimento dos primeiros inibidores de protease -drogas que agem em um estágio avançado da multiplicação do vírus nas células de defesa- mudou todos os paradigmas de tratamento. "A evolução foi absolutamente inacreditável", afirma Varella.
Nessa época, o exame de carga viral possibilitou uma avaliação mais acurada da progressão da doença, ajudando a definir o melhor momento de iniciar o tratamento. "Pela primeira vez, conseguimos deixar pessoas com a carga viral indetectável. Muita gente hoje é sobrevivente desses dias", diz Kallas.
No ano seguinte, a lei de acesso universal aos antirretrovirais foi aprovada, alçando o Brasil ao posto de protagonista mundial na luta contra a Aids.
Segundo a Unaids, braço da ONU para o tema, as mortes decorrentes da doença caíram 18% desde o lançamento dos coquetéis, mas a transmissão está longe de ser interrompida.
No Brasil, onde 700 mil pessoas carregam o vírus, menos da metade sabe que é portadora. "Aqui, 16% dos pacientes morrem no primeiro ano porque o diagnóstico está sendo feito tarde", diz Kallas.
Com a ameaça de morte mais distante, os próximos desafios incluem ampliar o diagnóstico e minimizar os efeitos colaterais da medicação.
Se as conquistas nessa área continuarem no rumo certo, mais pessoas poderão viver com o vírus pelos próximos 25 anos ou mais -assim como Hugo Hagström, Valéria Polizzi e José Araújo, que falam de suas vidas com o HIV a seguir.


Texto Anterior: Entrevista: Luto invisível
Próximo Texto: Não penso no futuro
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.